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NOTA DE REPÚDIO DO NÚCLEO DE FILOSOFIA PAN-AFRICANISTA DA APROFFIB

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O Núcleo de Filosofia Pan-africanista da Aproffib – Associação de Professores/as de Filosofia e Filósofos/as do Brasil vem a público expressar sua mais profunda indignação e repúdio à ação da Polícia Militar e à manifestação de intolerância religiosa ocorridas na EMEI Antônio Bento, em 12 de novembro de 2025. A presença de agentes armados com metralhadora em uma instituição de educação infantil, motivada pela realização de uma atividade pedagógica em conformidade com as Leis 10.639/03 e 11.645/08, representa não apenas um ataque à liberdade de ensino, mas uma violação frontal aos princípios de uma educação antirracista, plural e emancipadora.


Este ato não pode ser compreendido como um episódio isolado. Ele é expressão concreta do racismo estrutural que permeia as instituições brasileiras, do avanço do fundamentalismo religioso e da perseguição ao culto de raízes africanas, que, como nos ensina Frantz Fanon, busca desumanizar o sujeito negro, negando-lhe o direito à memória, à espiritualidade e à dignidade. A repressão à presença de elementos das tradições afro-brasileiras no espaço escolar é a reafirmação de uma lógica que busca perpetuar a prática colonial que insiste em classificar saberes e culturas em hierarquias raciais, onde o conhecimento eurocêntrico é tomado como universal e legítimo, enquanto os saberes africanos e indígenas são marginalizados, exotizados ou criminalizados.


A filosofia pan-africanista, que orienta os estudos e práticas deste Núcleo, parte do princípio de que a libertação dos povos africanos e afro-diaspóricos exige a reconstrução epistemológica do mundo. Segundo o pensamento de Molefi Kete Asante, é necessário recentralizar a África como sujeito produtor do conhecimento, reconhecendo que as cosmologias, éticas e ontologias africanas não são apenas objetos de estudo, mas formas legítimas de compreender e transformar a realidade. A atividade pedagógica realizada na EMEI Antônio Bento, ao introduzir uma narrativa infantil inspirada nas religiões de matriz africana, não apenas cumpre a legislação vigente, mas também realiza um gesto de insurgência contra o epistemicídio que marca a história da educação brasileira.


Reforçamos nossos argumentos lembrando que, para Marcus Garvey, “um povo que ignora sua história é como uma árvore sem raízes”. Portanto, a atividade pedagógica realizada na EMEI Antônio Bento não apenas cumpria a legislação vigente, mas também representava um gesto de reparação histórica e de afirmação da identidade negra no espaço escolar. Reagir a isso com aparato policial é reafirmar a lógica colonial que demoniza o candomblé e associa o negro ao perigo, à feitiçaria e a infância negra à suspeição.


É com profundo respeito e empatia que estendemos nossa solidariedade aos professores, funcionários e à equipe gestora da EMEI Antônio Bento. Sabemos do compromisso diário desses profissionais com uma educação justa, inclusiva e transformadora. A escola agiu com responsabilidade e sensibilidade ao promover uma atividade pedagógica alinhada à legislação e aos princípios da diversidade. A atitude violenta e desrespeitosa partiu exclusivamente do pai da aluna, e não pode, em hipótese alguma, recair sobre aqueles que, com afeto e coragem, constroem cotidianamente um espaço de acolhimento e valorização das identidades negras.


A resposta policial a essa atividade revela o quanto o Estado brasileiro ainda opera sob a lógica da colonialidade do saber e do poder. A colonialidade não terminou com o fim formal do colonialismo: ela persiste na forma como se definem os saberes válidos, os corpos aceitáveis e as espiritualidades toleráveis. A repressão à presença de Exu, Ogum, Iemanjá, Oxum, Iansã ou outro orixá do panteão de divindades africanas no espaço escolar, é uma tentativa de silenciar a ancestralidade negra e de interditar a construção de uma infância negra que se reconheça como herdeira de uma história de resistência, beleza e complexidade.


Como educadores(as), filósofos(as) e militantes do pensamento negro, não podemos aceitar que a escola, espaço por excelência da formação crítica e da construção de subjetividades, seja transformada em palco de repressão e medo. A presença de policiais armados diante de crianças pequenas, em resposta a uma atividade pedagógica legítima, é uma afronta à infância, à educação e à democracia.


Reafirmamos que a verdadeira independência só é possível quando os sistemas educacionais refletem os valores, as histórias e as espiritualidades dos povos que os compõem. Com bell hooks, lembramos que a educação como prática da liberdade exige coragem para romper com os paradigmas opressores e criar espaços de pertencimento e afirmação.


Diante disso, exigimos:


A responsabilização dos agentes públicos envolvidos na ação;

A retratação formal das autoridades competentes;

A proteção integral da criança, da equipe pedagógica e da comunidade escolar;

A reafirmação do compromisso da rede municipal com a implementação plena das Leis 10.639/03 e 11.645/08;

A garantia de que nenhuma prática pedagógica antirracista será criminalizada ou intimidada.

Manifestamos nosso repúdio à ação violenta da Polícia Militar, que invadiu a escola fortemente armada, sem qualquer justificativa pedagógica, causando pânico e medo em crianças e funcionários. A escola deve ser território de paz, não de guerra; espaço de proteção, não de intimidação.


Por uma educação que reconheça Iemanjá, Exu, Ogum, Oxum, Iansã e todo panteão de divindades das religiões de matrizes africanas como expressões vivas do patrimônio cultural brasileiro. Por uma infância negra que cresça sem medo, com orgulho de sua cor, de sua fé e de sua história. Por escolas que não apenas tolerem, mas celebrem a diversidade; que não se curvem ao racismo religioso, mas o enfrentem com coragem e conhecimento. Que sejam espaços de acolhimento, onde a ancestralidade seja fonte de saber, e onde se formem sujeitos livres, conscientes e profundamente enraizados em suas origens.


Axé, justiça e memória.

São Paulo, 19 de novembro de 2025

Núcleo de Filosofia Pan-africanista da Aproffib

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