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AINDA PODEM DEFENDER MASSACRES E GENOCÍDIOS, INCLUSIVE EM NOME DE DEUS

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Hugo Allan Matos!!!



SOBRE UM DOS MAIORES MASSACRES DA HISTÓRIA DE NOSSO PAÍS (OCORRIDO NO RIO DE JANEIRO NO 28/102025) E COMO A FILOSOFIA E O PENSAMENTO AINDA PODEM DEFENDER MASSACRES E GENOCÍDIOS, INCLUSIVE EM NOME DE DEUS.


Estava eu engasgado com a falta de manifestações da hierarquia da Igreja Católica Apostólica Romana – da qual participo como leigo - e da CNBB, coerentes com o Evangelho2 e com a própria Doutrina Social da Igreja, quando me deparei com o texto: “Interpretando a operação policial do Rio de Janeiro pela Doutrina social da Igreja: Guerra de informação, Estado de Direito e Guerra Justa” de Victor Sales Pinheiro que é professor da Universidade Federal do Pará (UFPA)3. Espanteime com a força negativa desta argumentação que pode justificar massacres, chacinas e genocídios e portanto, não pude permanecer inerte a mesma, sabendo que vem de um colega de profissão, professor universitário. Aproveito o ensejo para gerar quase que um desabafo, por estar cansado de ver a hipocrisia em meio ao que se escreve e o que se pratica na Igreja Católica Romana em geral. Este meu texto será então, um comentário aos argumentos do autor, quais transformarei de imagens em texto aqui para facilitar a fluidez na leitura. Já no título do texto poderíamos comentar uma série de questões éticas a partir da interpretação equivocada da Doutrina Social da Igreja, mas vou para o primeiro argumento do autor:


1 Doutor em Filosofia (UFABC), Mestre em Educação, Pós-graduado em Filosofia e História Contemporâneas, Licenciado em Filosofia e Pedagogia. Professor no ICL e na PUCPR. É membro do Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB Diocese de Santo André), da Comissão de Justiça e Paz (Diocese de Santo André) e serve em pastorais e serviços paroquiais. E-mail para contato: hugo.allan@gmail.com


2 E aqui vou ignorar a protocolar nota lida pelo arcebispo do Rio de Janeiro e mais ainda a nota insonsa da CNBB em apoio ao arcebispo (?) .


3 Texto publicado em imagens em seu Instagram: https://www.instagram.com/p/DQm8zxiCUw0/?img_index=1 último acesso: 07/11/2025 – 12:21.


A grande dificuldade de aferir um juízo moral a partir dos princípios abstratos da Doutrina Social da Igreja (DSI) é que vivemos numa guerra de informações, em que os fatos nos chegam enviesados e pré-julgados, num mundo dividido entre heróis e bandidos.


Embora o argumento aponte para uma dificuldade real (a "guerra de informações"), que eu chamaria de guerra de narrativas, justamente por diferenciar narrativa de informação, ele comete um erro fundamental ao sugerir que os princípios da Doutrina Social da Igreja (DSI) são "abstratos". O pilar central e o ponto de partida de toda a DSI é talvez o princípio mais concreto, material e inegociável que existe: a defesa incondicional da dignidade e da vida humana, desde a concepção até a morte natural. Este princípio não é uma abstração; ele é a medida de todas as outras coisas.


A Vida como Critério Material e Concreto


Este argumento inicial falha ao pressupor que a DSI começa com ideias "abstratas". A DSI começa com uma realidade material: a pessoa humana. Toda a doutrina social se desenvolve a partir do princípio que afirma a inviolável dignidade da pessoa humana. (Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI), n. 107)


Essa dignidade não é um conceito etéreo; ela se manifesta no direito mais básico e material: o direito à vida. A "guerra de informações" prospera no reino das narrativas (os "heróis e bandidos"). A DSI, no entanto, força-nos a desviar o olhar das narrativas e olhar para os corpos das mais de 120 pessoas assassinadas.


A pergunta moral fundamental que podemos fazer a partir da DSI não é "Quem está certo?", mas sim: "Quem está morrendo?".


O Compêndio da DSI é explícito ao afirmar que este direito é a base de todos os outros:

O primeiro entre [os direitos] é o direito à vida, desde a concepção até ao seu fim natural, que condiciona o exercício de todos os outros direitos...(Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI), n. 155) Portanto, quando confrontados com uma "guerra de informações", o critério de juízo não é "qual lado tem a melhor propaganda?", mas "qual lado, ou qual sistema, está atentando contra a vida e a integridade material das pessoas?". A própria constituição Gaudium et Spes nos dá uma lista concreta de "fatos" que são inaceitáveis, independentemente do pretexto: ...tudo quanto se opõe à própria vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, [...] tudo quanto viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, as torturas [...] são em si mesmas infamantes; [...] e são uma suprema desonra para o Criador. (Gaudium et Spes (GS), n. 27)


O Princípio Inegociável


A "guerra de informações" tenta sempre negociar o valor da vida. Ela cria categorias de vidas que "valem menos" ou mortes que são "justificáveis" para o bem de uma causa (seja ela de um "herói" ou de um "bandido"). A DSI, fundamentada especialmente na Evangelium Vitae, rejeita categoricamente essa negociação. Este é o ponto central: a vida humana é inviolável, o que significa que não está sujeita a julgamentos de conveniência política ou narrativa. A vida humana é sagrada e inviolável em todos os momentos da sua existência, incluindo o inicial da concepção. (Evangelium Vitae (EV), n. 61)


A encíclica de João Paulo II vai além, afirmando que nenhuma autoridade humana ou "guerra de informações" pode legitimar a morte, pois se trata de um princípio moral absoluto que precede qualquer lei humana ou narrativa de conflito.


Reafirmo, pois, com a autoridade que Cristo conferiu a Pedro e aos seus Sucessores, que a eliminação direta e voluntária de um ser humano inocente é sempre gravemente imoral. Evangelium Vitae (EV), n. 57)


Longe de ser paralisada pela desinformação, a DSI oferece precisamente a ferramenta para atravessá-la. O princípio concreto da defesa de toda a vida (detalhado materialmente em GS 27 e defendido como inegociável em EV 57) não é um ponto de partida "abstrato".


Ele é o juízo final e material sobre a realidade. Se os "fatos" que nos chegam são "enviesados", a DSI nos manda ignorar o viés e olhar para o resultado: há vidas sendo protegidas ou destruídas? Esta é a única pergunta que importa.


Mais um trecho do texto do professor de filosofia:

O juízo moral se estrutura num silogismo prático, em que os princípios universais formam a premissa maior, os fatos particulares compõem a premissa menor e a conclusão é a aplicação da primeira sobre a segunda.


Exemplo simples: (1) O homicídio é crime (tipo legal) que deve ser punido na forma da lei; (2) João cometeu homicídio; (3) Logo, João deve ser punido.


A tentativa de enquadrar o juízo moral da Doutrina Social da Igreja (DSI) na estrutura de um silogismo prático é uma armadilha formal que, ironicamente, enfraquece o próprio princípio que se propõe a defender. O problema não é a lógica em si, mas a suposição de que o juízo moral cristão opera por dedução (aplicando uma premissa universal a um fato particular), quando, na verdade, ele opera por discernimento (lendo os fatos à luz do Evangelho).O "princípio material e inegociável da vida" não é apenas a "Premissa Maior" de um argumento; ele é a própria luz que nos permite "Ver" a "Premissa Menor".


O Silogismo Ignora o Método "Ver, Julgar, Agir" A estrutura silogística (Princípio - Fato - Conclusão) é uma representação pobre de como a DSI de fato instrui a análise da realidade. O método clássico, articulado por João XXIII, não é linear e dedutivo, mas cíclico e indutivo. Há três fases que normalmente se sucedem: ver primeiro a situação; em seguida, julgar sobre ela à luz dos mesmos princípios [da doutrina]; finalmente, agir...(Mater et Magistra (MM), n. 236 (numeração pode variar)


O silogismo proposto assume que a fase do "VER" (a Premissa Menor, o "fato particular") é neutra e facilmente isolável. Esta é exatamente a fraqueza que a "guerra de informações" explora. A DSI nos diz que o "VER" não é um ato de constatação fria de "fatos", mas o primeiro passo de um engajamento moral.


O princípio da vida não espera passivamente na "Premissa Maior"; ele exige que vejamos ativamente o sofrimento do pobre, do migrante, do desempregado. O Princípio da Vida é um "Farol" (Julgar), Não uma "Caixa" (Premissa Maior) O silogismo trata o princípio (Premissa Maior) como uma regra estática. A DSI, especialmente a partir do Vaticano II, entende os princípios como uma luz dinâmica para interpretar a história. A Igreja não se limita a aplicar regras atemporais; ela "perscruta os sinais dos tempos".


É dever da Igreja perscrutar, a todo o momento, os sinais dos tempos (signa temporum perscrutari), e interpretá-los à luz do Evangelho; de modo que possa responder, de modo adaptado a cada geração, às eternas perguntas dos homens..."— Gaudium et Spes (GS), n. 4


O silogismo propõe: Princípio: Matar é errado. Fato: Ação X é "matar". Conclusão: Ação X é errada. O método da Gaudium et Spes é mais complexo. Ele nos pergunta: o que este "fato" (Ação X) significa "à luz do Evangelho" (o princípio da vida)? O princípio (Evangelho/Vida) não é uma premissa da qual partimos, mas a luz com a qual interpretamos o fato. O "JULGAR" não é uma dedução automática; é uma interpretação dos "sinais" (o fato) usando o Evangelho (o princípio).


O "Fato" (Premissa Menor) Nunca é Apenas um "Fato" O exemplo "João cometeu homicídio" é enganosamente simples. Os "fatos" da DSI são complexos: "esta estrutura econômica gera pobreza", "esta política de fronteira causa mortes".


A estrutura formal do silogismo trata o "fato" (Premissa Menor) como um objeto. A DSI, no entanto, insiste que o "fato" central da vida social é um sujeito. "Com efeito, o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais é e deve ser a pessoa humana..."— Gaudium et Spes (GS), n. 25O silogismo reduz a pessoa humana (João, ou as vítimas de uma política) a um "fato" sobre o qual um princípio é aplicado.


A DSI faz o oposto: a pessoa humana (e sua vida e dignidade) é o sujeito que julga a validade dos nossos "fatos" e "princípios". Se um "fato" (Premissa Menor) e um "princípio" (Premissa Maior) levam a uma "conclusão" (Juízo) que prejudica a pessoa humana, a DSI nos diz que o problema está nas premissas, e não na pessoa. A estrutura formal do silogismo é uma ferramenta analítica que se quebra quando confrontada com a complexidade da "guerra de informações" e a profundidade da DSI.O princípio inegociável da vida não é uma "Premissa Maior" abstrata que espera por um "fato" (Premissa Menor) para ser aplicado. Ele é o fundamento material de um método de discernimento (Ver, Julgar, Agir) que ativamente analisa os sinais dos tempos (GS 4) e que coloca a pessoa humana (GS 25) não como objeto da lógica, mas como sujeito de toda a moralidade.


Mais um trecho do nada imparcial argumento do professor de filosofia:


A DSI defende a legalidade, a justiça e a paz, por isso a punição de criminosos que tanto perturbam o bem comum. Pela DSI e pela própria Constituição, a impunidade e a conivência com o crime certamente são condenáveis. São necessários o sistema penal acusatório e o devido processo legal, pelos quais os réus não podem ser executados sumariamente.


O argumento de que a DSI defende a "punição de criminosos" como um fim em si mesmo, embora parta de uma premissa correta (a condenação da impunidade), chega a uma conclusão incompleta e potencialmente oposta à Doutrina Social. A DSI não se detém na lógica da punição; ela a subordina a princípios muito mais elevados: a dignidade inalienável de toda pessoa (inclusive do criminoso) e a finalidade medicinal e restaurativa da justiça. A Dignidade do Criminoso: O Limite Intransponível


O argumento da imagem foca nos "criminosos que tanto perturbam o bem comum", enquadrando-os como um problema a ser gerido pela punição. A DSI, inversamente, insiste que o "fato" de um crime ter sido cometido não anula o "fato" mais fundamental da dignidade humana. A pessoa do criminoso nunca perde o seu valor ético-ontológico. Nem sequer o homicida perde a sua dignidade pessoal, e o próprio Deus se faz disto garante. [...] A ninguém, portanto, é lícito tirar a vida de um ser humano... (Evangelium Vitae (EV), n. 9)


Este princípio é a base pela qual a DSI rejeita a execução sumária (como a imagem corretamente nota), mas ele vai muito além: ele questiona qualquer punição que seja meramente retributiva ou que viole essa dignidade.


O argumento da imagem para na "punição". A DSI pergunta: "punição para quê?". Se a punição é apenas para "pagar" pelo crime (retribuição), ela é insuficiente. A DSI exige que a pena tenha como objetivo a cura do indivíduo e da sociedade.


A justiça não é vingança legalizada; é um ato de correção e restauração.


A pena, além de defender a ordem pública e tutelar a segurança das pessoas, tem um fim medicinal: na medida do possível, deve contribuir para a emenda do culpado. (Catecismo da Igreja Católica (CCC), n. 2266 (princípio reiterado no Compêndio da DSI)


O Compêndio da DSI é ainda mais claro ao afirmar que a pena deve visar a reintegração: A pena não deve reduzir-se a uma simples retribuição da culpa [...]. Deve outrossim oferecer ao réu uma ocasião e um estímulo para que se arrependa e se corrija, [...] favorecendo a sua reintegração na sociedade." — Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI), n. 403


O argumento do autor aceita o "sistema penal acusatório" como a solução. A DSI contemporânea, especialmente no magistério do Papa Francisco é profundamente crítica a esses sistemas, que muitas vezes se tornam meras "fábricas" de punição que falham em seus objetivos medicinais.


O Papa Francisco denuncia a lógica do "sistema penal" que vê na prisão a única resposta, alertando contra a idolatria da punição: Verifica-se, por vezes, uma certa tendência para construir formas de «populismo punitivo» [...]. Corre-se o risco de que esta seja apenas uma retórica para instrumentalizar o «medo» da opinião pública [...]. O debate público é muitas vezes manipulado por empresários do medo... (Discurso de Papa Francisco aos participantes no XX Congresso Mundial da Associação Internacional de Direito Penal (2019))


E em Fratelli Tutti, ele é explícito sobre a falha do sistema carcerário em cumprir o ideal da DSI: A superlotação carcerária [...] constitui uma «verdadeira forma de tortura» [...]. A rejeição da pena de morte mostra até que ponto é possível reconhecer a dignidade inalienável de cada ser humano e aceitar que ocupe o seu lugar neste mundo. (Fratelli Tutti (FT), n. 266 e 268 (adaptado))


Portanto, o argumento do autor está errado não por defender a legalidade, mas por reduzir a DSI à legalidade.


A verdadeira posição da DSI é que a justiça só é "justiça" quando está a serviço da verdade, da dignidade (do criminoso e da vítima) e da restauração (do bem comum). Uma justiça que apenas "pune" é uma justiça incompleta e que falha em seu mandato evangélico.


Mais um nada convincente argumento do autor: O drama deste caso é que “parece” mais um caso de guerra, em que o Estado sequer pode entrar no território das facções para cumprir os mandados judiciais, de busca e apreensão de drogas e armas, assim como de prisões. Se um policial é recebido a tiros, ele tem o dever de se defender e atirar de volta. Não há simetria moral entre quem o recebe atirando (criminoso) e o policial que está exercendo sua profissão legítima e imprescindível ao bem comum, em estrito cumprimento do dever legal, que, no direito penal, se chama excludente de ilicitude.

O argumento apresentado é moralmente falacioso e teologicamente insustentável do ponto de vista da DSI.


Ele comete três erros de fundamento básico da DSI:

1. Aceita a "lógica da guerra" como uma solução, quando ela é o próprio fracasso social.

2. Cria uma hierarquia de dignidade humana (a "não simetria moral"), o que é a antítese do Evangelho.

3. Distorce a "legítima defesa", transformando-a de um último recurso para proteger a vida em uma permissão para executar uma vida. O Erro da "Não Simetria Moral": A Negação da Dignidade


Este é o ponto mais grave e a principal invalidação. O argumento afirma que "Não há simetria moral" entre o criminoso e o policial.

Isso é uma aberração para a DSI. A DSI ensina que, embora os atos sejam moralmente assimétricos (um é um crime, o outro é um dever legal), a dignidade das pessoas envolvidas é absolutamente simétrica e inviolável.


O "criminoso" não é uma categoria moral inferior; é uma pessoa humana que cometeu um crime.


A DSI é inflexível neste ponto: Nem sequer o homicida perde a sua dignidade pessoal, e o próprio Deus se faz disto garante. [...] É precisamente deste princípio que parte a recusa da Igreja à pena de morte... (Evangelium Vitae (EV), n. 9)


Se nem o homicida perde a dignidade, o "criminoso" que atira no policial também não a perde. O argumento da imagem usa a "excludente de ilicitude" (um conceito legal-penal) para justificar uma "excludente de dignidade" (um conceito moralmente herético). A DSI condena isso.


Sobre o Erro da "Lógica da Guerra": O Fracasso do Bem Comum. O argumento começa aceitando a premissa da "guerra" ("O drama [...] é que 'parece' mais um caso de guerra"). Ao aceitar essa premissa, o argumento já capitulou à violência. A DSI rejeita a "guerra" como método de solução de problemas sociais. A existência de "territórios das facções" onde o Estado não entra não é uma justificativa para a guerra; é a prova material do fracasso do Estado em promover o bem comum nesse local.


A violência policial, nesses termos, não é a "solução" para o bem comum; é o sintoma de sua ausência.

A DSI nos diz que a violência nasce da injustiça:

As desigualdades [...] e as condições de vida sub-humanas (miséria, habitações indignas) [...] são um atentado contra a dignidade da pessoa humana e uma ofensa à justiça. (Adaptado de Gaudium et Spes, n. 29 e Populorum Progressio, n. 30)


A "guerra" que o argumento descreve é o resultado dessas condições. A resposta da DSI não é mandar o policial "atirar de volta", mas sim "construir a paz" através da justiça social. "O desenvolvimento é o novo nome da paz." Populorum Progressio (PP), n. 87.


A respeito do Erro da "Legítima Defesa": A Distorção do Princípio. O argumento transforma o direito de defesa em um dever de atirar de volta, esvaziando o princípio de seu propósito. A DSI (baseada no Catecismo) permite a legítima defesa, mas com condições estritas. O objetivo da legítima defesa não é matar o agressor, mas sim defender a vida (a própria ou a de outros). O uso da força letal só é permitido como último e inevitável recurso.


A legítima defesa pode ser não só um direito, mas um dever grave, para aquele que é responsável pela vida de outrem. [...] Mas esta não deve usar de maior violência do que a estritamente necessária. (Catecismo da Igreja Católica (CIC), n. 2264-2265)


O ponto crucial está na encíclica Evangelium Vitae:

...só o é [justificada] quando não se dispõe de outro meio para defender a própria vida das injustas agressões. [...] A defesa há de ser, portanto, cum moderamine [com moderação], e não pode comportar um uso da violência maior do que o necessário. (Evangelium Vitae (EV), n. 55 (adaptado))


O argumento do autor ignora a "moderação" e o "último recurso". Assume que, ao ser recebido a tiros, o "dever de atirar de volta" é automático e absoluto. A DSI diria que o dever é, antes de tudo, preservar a vida – inclusive a do agressor, se possível, buscando neutralizá-lo por "meios incruentos" sempre que houver a mínima possibilidade (CIC 2267). É inválido porque adota a lógica do inimigo. Para justificar a ação do Estado (policial), ele rebaixa a dignidade do "criminoso" (a "não simetria moral"), algo que a DSI proíbe.


A verdade da DSI é que a paz não pode ser construída sobre cadáveres, mesmo que sejam de "criminosos". A única resposta para a "guerra" é a justiça e a afirmação intransigente da dignidade de toda a vida.


Agora, vou juntar o restante dos trechos do texto e trata-los em bloco, já que sua unidade muito me interessa aqui, seguem os trechos, a citação ficará bem longa, para o que peço sua paciência:


Entretanto, a mídia esquerdista já classificou a operação como “chacina”, que é um assassinato em massa de pessoas inocentes. A mídia direitista coroa a operação como heroica: o governador afirmou, peremptoriamente, que as únicas vítimas são os policiais mortos, dentre os 11 alvejados. Não sabemos precisamente os fatos, repito, porque ele nos chegam enviesados e pré-julgados. II. Existe um outro instituto da DSI que poderia ser articulado neste caso, que é o da guerra justa, em que concorrem quatro fatores concomitantes: (1) Causa justa: A agressão sofrida deve ser real, certa e grave; é legítimo defender a sociedade contra um invasor ou proteger inocentes de uma agressão evidente. Isto se aplica ao caso do combate à Facção Criminosa do Comando Vermelho do Rio de Janeiro. (2) Autoridade legítima: Só o Estado, ou autoridade competente, pode declarar guerra. Grupos privados, facções ou movimentos não têm esse direito. Embora só o Presidente da República possa declarar guerra contra outra nação, o Governador do Estado é autoridade legítima para operações de segurança e recuperação de território. (3) Reta intenção: A intenção deve ser restaurar a paz e a justiça, não buscar vingança, conquista, poder ou lucro. Isto se aplica no caso em tela; os policiais gozam de presunção de inocência. (4) Proporcionalidade e último recurso: Todos os meios pacíficos devem ter sido tentados. Isto também se aplica no caso do Rio. Concluindo, pelo instituto da Doutrina Social da Igreja chamado guerra justa, aplicado por analogia, acredito que a operação tenha sido adequada, devendo os excessos - como execução de inocentes - ser punidos na forma da lei. O Estado tem o dever de exercer a sua autoridade legítima sobre o seu território e proteger os inocentes do crime organizado.


A tentativa de justificar a operação (descrita como "chacina" ou "ato heroico" pela "guerra de informações") usando a Doutrina da Guerra Justa é uma perversão completa da Doutrina Social.


O que o argumento faz é precisamente: usar a linguagem da "autoridade legítima" e da "proteção de inocentes" para referendar um genocídio prático, tratando a execução de inocentes como um "excesso" colateral, e não como a prova da imoralidade intrínseca da ação.


O Debate de Valladolid (1550-1551) já desmascarou essa lógica. O Princípio Material (A Vida) vs. A "Proteção de Inocentes".

O argumento falha em sua própria premissa. Ele alega que a "causa justa" é "proteger inocentes do crime organizado". Contudo, a conclusão do argumento é forçada a admitir a "execução de inocentes". Isto é um colapso lógico e moral. O Princípio Material e Concreto da Vida na DSI é absoluto. A DSI afirma que um ato que resulta na morte previsível e indiscriminada de inocentes não é um "ato para proteger inocentes"; é um crime contra Deus e contra o homem.


Qualquer ato de guerra que vise indiscriminadamente à destruição de cidades inteiras ou de vastas regiões, com seus habitantes, é um crime contra Deus e contra o próprio homem, que deve ser condenado com firmeza e sem hesitação. (Gaudium et Spes (GS), n. 80)


A alegação da "guerra de informações" (Imagem 5), onde "não sabemos precisamente os fatos", é a confissão de que a operação é, por definição, indiscriminada. O argumento de que o genocídio praticado foi para "proteger inocentes" é, portanto, absolutamente falso; foi um ato que produziu a morte de inocentes.


O Princípio Formal (sinodal) vs. O "Genocídio Legítimo"


Aqui entra Valladolid. O argumento do autor é uma reedição exata de Juan Ginés de Sepúlveda: O Estado ("Coroa Espanhola" / "Governador do Estado") tem "autoridade legítima" para usar a guerra ("Guerra Justa") para "proteger inocentes" (os indígenas de seus próprios "crimes" / os cidadãos do "crime organizado").


A Realidade (e o resultado): Esta "autoridade legítima" foi a justificativa formal para o genocídio de milhares de povos originários. Bartolomé de las Casas contrapôs esta lógica com o Princípio Formal do Consenso (ou, em termos teológicos, da evangelização pacífica). Las Casas argumentou que nenhuma autoridade é "legítima" se ela se impõe pela espada. A autoridade, para a DSI, deve "caminhar junto" (sínodo) com o povo em direção ao Bem Comum: "A autoridade política [...] deve exercer-se dentro dos limites da ordem moral, em vista do bem comum [...] concebido dinamicamente..." (Gaudium et Spes (GS), n. 74)


O argumento é, portanto, falso: um genocídio (chacina) não é um "exercício de autoridade legítima". É a abdicação da autoridade legítima em favor da tirania e da violência bruta, exatamente como Las Casas denunciou no século XVI.


A Factibilidade Ética vs. A Falsidade do "Último Recurso". O argumento é absolutamente falso ao alegar que este massacre é o "último recurso" para "proteger inocentes". A factibilidade ética do bem exige que os meios sejam proporcionais e eficazes para o bem. O "bem" (a paz) não pode ser alcançado por meios genocidas (a chacina).


Como Las Casas afirmou, a violência da "guerra justa" de Sepúlveda não trouxe a paz; ela destruiu civilizações. A DSI nos ensina que o verdadeiro "último recurso" ético para combater o "crime organizado" (que é um sintoma da injustiça social) não é a guerra, mas o desenvolvimento: "O desenvolvimento é o novo nome da paz." (Populorum Progressio (PP), n. 87)


A "operação" militar não é o "último recurso" após o fracasso dos meios pacíficos (saúde, educação, moradia). Ela é o primeiro recurso de um Estado que falhou em tentar os meios pacíficos.


O argumento do autor, professor de filosofia, Victor Sales Pinheiro é uma defesa de genocídios e chacinas, usando a linguagem da civilização. Ele defende que um genocídio prático ("chacina" com "execução de inocentes") é um "exercício de autoridade legítima do Estado" e usa a Doutrina Social da Igreja, portanto a Igreja e o nome de Deus, para legitimar isso. E já vimos na História como estas coisas ocorrem.


Espero ter deixado explícito aqui que não há, em absoluto, validação dos argumentos do autor em nenhum lugar da DSI. Muito pelo contrário. Espero ter me feto entender em desvalidar cada um de seus argumentos, utilizando como fundamento a mesma DSI que ele utilizou.


E mais que tudo, espero ter deixado explícito que os “argumentos” utilizados são falaciosos, errados e faltam om a verdade e que se saiba que isso não ocorre por ignorância, por se tratar de um professor de filosofia de uma universidade pública federal de nosso país, quais geralmente têm processos seletivos rigorosíssimos e o professor está incorrendo em erros muito básicos que qualquer estudante primeiro anista de qualquer curso de filosofia consegue detectar facilmente.


A gravidade está em que a lógica utilizada por ele é a mesma tese de Juan Guinés de Sepúlveda em Valladolid, que Bartolomé de las Casas invalidou moralmente em 1551.


A DSI, seguindo Las Casas, afirma que a autoridade que mata inocentes para "proteger inocentes" não é uma autoridade: é um crime (GS 80)

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Hugo Allan Matos - Atua como professor de filosofia na PUCPR e no ICL. Doutor em Filosofia (UFABC), Mestre em Educação (UMESP), Pós-graduado em Filosofia e História Contemporâneas (UMESP), Licenciado em Filosofia (PUCPR-UMESP) e Pedagogia (FPSJ). Leciona disciplinas ligadas à Teologia, Filosofia, Educação, Antropologia Filosófica e Teológica, Ética e Tecnologia. É casado, pai, judoca...


REFERÊNCIAS CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II.


Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo atual. Roma, 7 de dezembro de 1965. Disponível em: https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html Acesso em: 7 nov. 2025.


FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Fratelli Tutti sobre a fraternidade e a amizade social. Roma, 3 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papafrancesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html . Acesso em: 7 nov. 2025.


IGREJA CATÓLICA. Catecismo da Igreja Católica. Citta del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1997.


Disponível em: https://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_po.htm . Acesso em: 7 nov. 2025. INTERPRETANDO a operação policial do Rio de Janeiro pela Doutrina social da Igreja: Guerra de informação, Estado de Direito e Guerra Justa. [AUTOR DO PERFIL]. Instagram, [Data da postagem]. Disponível em: https://www.instagram.com/p/DQm8zxiCUw0/ . Acesso em: 7 nov. 2025.


JOÃO PAULO II, Papa. Carta Encíclica Evangelium Vitae. Roma, 25 de março de 1995. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paulii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031995_evangelium-vitae.html . Acesso em: 7 nov. 2025.


JOÃO XXIII, Papa. Carta Encíclica Mater et Magistra. Roma, 15 de maio de 1961. Disponível em: https://www.vatican.va/content/johnxxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_15051961_mater.htm l. Acesso em: 7 nov. 2025.


PAULO VI, Papa. Carta Encíclica Populorum Progressio. Roma, 26 de março de 1967. Disponível em: https://www.vatican.va/content/paulvi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html . Acesso em: 7 nov. 2025.


PONTIFÍCIO CONSELHO "JUSTIÇA E PAZ". Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Citta del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2004. Disponível em: https://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_j ustpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html . Acesso em: 7 nov. 2025.

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