A Comissão de Educação da Câmara federal apoia a luta em defesa da Filosofia e da Sociologia.
- Aldo Santos

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Atualizado: há 5 dias
Por Neuza A.O Peres***

SEMINÁRIO – A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA.
Boa tarde a todas e todos.
Dirijo-me hoje a professores, estudantes, parlamentares, representantes das entidades de filosofia e sociologia e, em especial, aos filósofos/as e defensores da educação crítica. Estamos aqui para discutir o lugar da Filosofia no Ensino Médio – e, mais do que isso, para denunciar sua sistemática exclusão das Matrizes Curriculares da educação pública brasileira.
Em 2016, através de uma Medida Provisória de número 746/2016, o presidente Michel Temer, que assumiu após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, determinou a elaboração de um projeto para a reforma do ensino médio, dando origem à Lei 13.415/2017. Movimentos contrários surgiram pelo Brasil inteiro, cobrando a revogação desta reforma. As discussões realizadas pela equipe de transição do governo Bolsonaro para o governo Lula, no final de 2022, evidenciaram as contradições na aplicação da lei.
Diante da promessa do novo governo de uma gestão democrática que priorizaria uma educação pública de qualidade para a classe trabalhadora, o MEC, já no governo Lula, criou o Projeto de Lei 5.230/23, numa tentativa de corrigir distorções. Esse PL, depois da tramitação no Congresso Nacional e no Senado Federal, transformou-se na lei 14.945/24, sancionada pelo presidente Lula em 31/07/24.
No entanto, as mudanças presentes na lei 14.945/24 em relação à 13.415/17 não eliminam o caráter excludente dessas reformas.[1] É preciso lembrar que tanto uma lei quanto a outra, estão calcadas na Base Nacional Comum Curricular de 2016, aprovada no governo Temer, construída já com muita discordância das entidades representativas dos profissionais da educação e da sociedade civil, contrárias aos pressupostos desta BNCC. Assim, entendemos que, mesmo com a promessa de avanços, na prática a sanção da Lei 14.945/2024, têm aprofundado desigualdades e enfraquecido a formação humanista dos nossos jovens. A Filosofia, nesse contexto, tem sido uma das disciplinas mais afetadas.
Neste sentido, a nova lei 14.945/24, infelizmente, não garante sua própria aplicação. Ela ainda permite que cada estado ou município decida se inclui ou não a Filosofia em sua grade curricular. E sabemos que na prática, isso significa exclusão. Emendas ao PL 5.230/23 que buscavam corrigir essa falha, sequer foram discutidas no Senado. E a aprovação final desta lei, feita a toque de caixa, em menos de um minuto, mostra o desrespeito com que a educação tem sido tratada. Vale lembrar que, o relator foi o Deputado Mendonça Filho (União – PE), o mesmo Ministro da Educação que aprovou a lei 13.415/17.
A lógica econômica por trás do currículo
Em um contexto de lógica neoliberal, que busca a construção de um Estado Mínimo, as privatizações, terceirizações e a introdução de parcerias público-privadas no sistema educacional se intensificam. Para viabilizar esse projeto, mudanças curriculares têm retirado ou reduzido o número de aulas voltadas para uma formação humanizadora, especialmente as aulas de Filosofia, em detrimento da inclusão dos itinerários formativos. Essas mudanças não oferecem uma formação técnica profissionalizante de verdade, nem tão pouco, permitem que o indivíduo se desenvolva plenamente, tornando-o capaz de analisar a sua própria realidade e buscar uma possível transformação da sociedade.
Essas reformas não são neutras. Elas seguem essa lógica econômica que atende às necessidades do mercado dentro do sistema capitalista. Como aponta Callegari (2024), a exclusão da Filosofia e da Sociologia do currículo escolar não é um acidente, mas parte de um projeto que visa formar mão de obra adaptável, acrítica e descartável. O currículo é moldado para atender às demandas da lógica econômica, não às necessidades de formação integral dos estudantes.
A formação da classe trabalhadora e o papel da escola
Sem pretensão de uma análise histórica profunda, é importante lembrar que o Brasil se constituiu como sociedade capitalista, na segunda metade do século XX, a partir da exploração da força de trabalho e da exclusão sistemática de amplas camadas da população, dos direitos sociais. A escola pública, nesse cenário, passou a ocupar um papel ambíguo: ao mesmo tempo em que deveria ser espaço de emancipação, torna-se instrumento de reprodução das desigualdades.
Gramsci e Paulo Freire: duas visões transformadoras
O pensador Antônio Gramsci propõe que a escola deve ser substituída por uma instituição que ofereça o mesmo ensino para os filhos da classe trabalhadora e da burguesia. Essa escola deve formar para o trabalho manual e intelectual, promovendo uma educação humanista, sem ignorar os avanços tecnológicos do seu tempo.
Já Paulo Freire, em sua pedagogia libertadora, defende que a educação deve partir da realidade concreta dos educandos, promovendo a autonomia e a capacidade de transformar o mundo. Para Freire, os fundamentos filosóficos são essenciais para uma educação verdadeira, voltada à emancipação da classe trabalhadora.
Infelizmente, o modelo tecnicista e neoliberal que vem sendo adotado vai na contramão dessas ideias. Ao reduzir o espaço das disciplinas de humanas, especialmente da Filosofia, essas reformas negam aos estudantes a possibilidade de pensar criticamente sobre sua realidade.
A realidade nas escolas públicas brasileiras
As informações que embasam esta fala foram coletadas diretamente com professores e professoras de Filosofia que trabalham diretamente no chão da escola, nas redes públicas, em diversas regiões do Brasil. São vivências compartilhadas que mostram como a exclusão da Filosofia acontece no cotidiano escolar, como as mudanças legais são aplicadas e como isso afeta a formação dos nossos jovens.
A práxis pedagógica em Filosofia desenvolvida no estado de São Paulo, especialmente após a implementação da reforma em 2021, escancarou os efeitos dessas mudanças. Professores relatam salas de aula esvaziadas de sentido, alunos desmotivados e uma formação cada vez mais superficial. Essa realidade se repete em outros estados, pois, com a flexibilização do currículo, mesmo a lei federal orientando os modelos de ensino, estados e municípios tem autonomia para adaptar suas legislações educacionais.
É possível perceber-se, com maior visibilidade, a polarização na oferta do ensino na Educação Básica, mantendo a divisão em dois segmentos: a escola pública, destinada aos filhos e filhas da classe trabalhadora para a formação de uma mão de obra uberizada, e a escola privada, destinada aos filhos da elite que pretende um ensino especializado. Desde a década de 90, as constantes reformas na Educação Básica no Brasil, acontecem todas dentro desta lógica econômica neoliberal, com distintas concepções político-ideológicas, não havendo diferenças mesmo nos seguidos governos estaduais ou federal. Este processo transformou a escola pública em um espaço de insatisfações, tanto para o aluno, que não vê objetivo para aprender, como para o professor, que não vê na profissão uma carreira atrativa, além de pressões e assédios das equipes gestoras em todas as instâncias, resultando em um espaço adoecido.
O que está em jogo
A exclusão da Filosofia do Ensino Médio público brasileiro não é um fenômeno isolado, mas parte de um projeto político que subordina a educação às exigências do mercado. Ao negar aos estudantes o acesso à formação crítica e humanista, essas reformas aprofundam as desigualdades sociais e comprometem a construção de uma sociedade democrática.
É urgente que se retome a obrigatoriedade da Filosofia como disciplina em todos os anos do Ensino Médio, com carga horária mínima de duas horas-aula em todas as séries/anos e ministradas por professores/as formados na área. A defesa da Filosofia é, acima de tudo, a defesa de uma educação que forme cidadãos conscientes, capazes de pensar, questionar e transformar o mundo.
Aos colegas professores, aos estudantes que resistem, às entidades que lutam, aos parlamentares que abraçam a nossa luta — sigamos juntos. A escola pública não pode ser espaço de silenciamento. Ela precisa ser espaço de pensamento, de crítica, de liberdade.
A Filosofia não é escudo para o autoritarismo. É farol para a liberdade.
Muito obrigada.
EXECUTIVA NACIONAL DA APROFFIB
Neuza A.O Peres
Aldo Josias dos Santos
Maria Terezinha Correa
Laismeris Cardoso de Andrade
Wellington Silva da Cruz
José Antônio Burato
Gleidimar Alves de Oliveira
Valdenir Abel dos Santos
Aldacir Fonseca de Souza
Manoel Cordeiro Coelho Junior
Jaime Luiz Fregel Colarte Castiglioni
[1] São elas: Aumento para 2.400 horas da carga horária (2.100 + 300), fomenta a implementação do ensino técnico no ensino médio ao conceder a possibilidade de que essas 300 horas sejam direcionadas aos conteúdos dos itinerários formativos. Será aprovada no Conselho Nacional de Educação, composto em grande parte por representantes de empresas privadas ligadas à educação. Mantém a PPP (Parceria Público-Privada). Destruição e descaracterização da carreira do professor ao manter o ensino através do sistema EAD. Reconhecimento de aprendizagens externas diferenciadas, o que significa que abre um precedente para que sejam incorporados cursos de qualquer natureza, não especificamente ligados à área educacional. Mantém o Notório Saber, eliminando a obrigatoriedade de formação docente com licenciatura plena na área disciplinar de atuação. Perde-se a obrigatoriedade do ensino da língua espanhola, tão necessária nas políticas econômicas das relações internacionais do Brasil com os demais países sul-americanos. O Ensino Médio noturno será oferecido apenas quando houver demanda, sem levar em consideração que os filhos e filhas da classe trabalhadora iniciam no mercado de trabalho muito cedo, tendo que colaborar na formação da renda familiar, quando não sustentam sozinhos a subsistência da família.




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