Markinhus Souza***
Neste Dia dos Pais, relembro a vida do homem que foi um lutador pela nossa família, meu pai, Francisco Antônio de Souza, conhecido também como Chiquinho. Sua história é uma narrativa de coragem, amor e resiliência, um testemunho do espírito humano que lutou incansavelmente por aqueles que amava.
Francisco nasceu em Missão Velha, no Ceará, em uma família numerosa, com três irmãs e quatros irmãos (Iraci, José, Valdomiro e Cícero, in memoriam). Entre eles, apenas as gêmeas Marília de Jesus (Lu) e Maria de Jesus ainda vivem, residindo em São Bernardo do Campo. Desde cedo, Francisco demonstrou uma determinação única e um espírito indomável, qualidades que o definiram por toda a vida.
O destino de Francisco mudou quando ele conheceu minha mãe, Tereza Lúcia, em uma cidadezinha de Minas Gerais. Ele trabalhava no circo, cantando e tocando violão, e foi nesse ambiente de magia e encanto que o amor floresceu. No entanto, meu avô Antônio José da Silva, conhecido como Quaresma, não aceitou bem o namoro. Minha mãe tinha apenas 18 anos, e o fato de meu pai ser de circo e vir de uma cidade grande, entre outras questões, gerava desconfiança. Mas o amor prevaleceu, e eles se casaram após meu avô Quaresma vender um pedaço de terra para financiar a cerimônia.
Francisco e Tereza mudaram-se para o Jardim Lavínia em São Bernardo do Campo, onde foram morar com meus avós paternos, Francelina Maria de Jesus e Antônio Dias de Souza. Pouco tempo depois, nasci na Santa Casa de São Paulo. A vida era difícil, meu pai sofreu um grave acidente enquanto trabalhava cavando um poço. Esse evento forçou minha mãe a voltar para Minas Gerais. Meu pai ficou em São Bernardo do Campo para cuidar dos ferimentos pós-cirúrgicos; ele passou por momentos muito difíceis, quase perdeu a vida nesse episódio, e nas idas dele para Minas Gerais já recuperado, tem a segunda gravidez da minha e a chegada do meu primeiro irmão Claudinei em 1974.
Voltamos a São Bernardo do Campo, onde enfrentamos inúmeras dificuldades. Vivemos no fim da Avenida Bunduki, em um minúsculo barraco na favela do bairro Assunção, que hoje não existe mais. As enchentes eram frequentes e nos faziam perder nossos poucos pertences. Nesse contexto, em 1977, nasceu Claudemir, seu terceiro filho. Mesmo assim, meu pai, com sua determinação e responsabilidade, sempre encontrava um jeito de nos proporcionar um lar. Ele cuidava de chácaras, alugava e construía barracos para nossa família, mostrando uma resiliência extraordinária. Moramos em dois lugares no Assunção, depois no Jardim Telma, Jardim do Lago, e no Alvarenga onde tivemos dois outros endereços, sendo o último lugar onde ele viveu junto conosco.
Francisco tinha uma paixão por violão, cantar e leitura, quando perdeu seu irmão Cícero que era seu parceiro de cantoria, ele já não se apresentava mais e nem tocava em bares para amigos. Estava sempre com um jornal nas mãos, absorvendo o mundo ao seu redor. Trabalhou cantando e tocando em circo, tirando areia na beira de córrego, como construtor de poços, pedreiro, porteiro e vigilante. Em sua juventude, participou como figurante em filmes no Pavilhão Vera Cruz e até gravou um disco compacto cantando. Infelizmente, se perdeu muita coisa e poucas fotos restaram dessa época difícil, preservou uma dele jovem, montado em um cavalo, servindo o Exército no Ceará.
Ele era um homem simples, mas cheio de amor. Gostava de cachorros e sempre tinha um por perto, especialmente quando trabalhava à noite. Na cozinha, ele fazia arroz e feijão com rodelas de cebola, apreciava torresmo, cerveja e cachaça. Apesar das dificuldades, ele sempre encontrava tempo para tocar violão, especialmente para nós em casa.
A vida de Francisco foi marcada pela tragédia e pela resiliência. Em 24 de junho de 1983, a violência urbana tirou seu brilho. Ele foi vítima de um assalto seguido de morte no emprego, em um bairro muito próximo de nossa casa, deixando minha mãe com três filhos com menos de 18 anos e com sete meses de gestação. Ele deixou uma lacuna que nunca foi preenchida. Sua morte foi um golpe devastador, que nos deixou sem chão e sem respostas. O impacto na família foi enorme: tivemos que mudar de bairro, e eu fui morar um tempo em São José dos Campos, na casa da minha tia. Minha mãe dobrou o trabalho para manter os filhos e, depois, me trouxe de volta.
Hoje, escrevo estas palavras para manter viva a memória de meu pai. Ele era um homem negro, bonito, baixo, com um sorriso encantador e um olhar expressivo, com olhos levemente puxados, falava baixo e bom de papo. Estava sempre com a barba feita, às vezes deixando o bigode. Estudou até a quarta série primária, lia sempre e dominava a matemática. Lembro-me dele chegando em casa com uma bengala de pão francês, levando meu irmão Claudemir na garupa da bicicleta, e cuidando dos nossos cachorros e da rua com o Claudinei. Quero que essa memória chegue aos meus irmãos, à minha mãe, netos, bisnetos, às minhas tias, primas e primos, para que se lembrem do trabalhador que deu sua vida para sustentar a família.
Pai, até sempre. Meus olhos se enchem de lágrimas ao pensar em você, em tudo que nos ensinou, e nas perguntas que ficaram sem resposta. Venha em um sonho falar comigo, para que eu possa te ver novamente e diminuir a saudade. Seus filhos estão adultos, já tem até avô, todos trabalhadores e lutadores, como você. Queria te contar as novidades: tenho um filho que dizem parecer com o senhor. O Claudinei voltou a gostar de cachorro, e o Claudemir tenta lembrar, pai, das coisas que você fazia com ele, seu rosto, suas expressões. Ele toca cavaco. O Marcelo, que o senhor não conheceu, seria um dos seus maiores orgulhos, tenho certeza. Hoje, você tem nove netos e netas, e seis bisnetos, meu amado pai. A tia Lu, tem estado em contato conosco. Recentemente, encontrei a filha e a neta da tia Maria, e elas me reconheceram, o que me deixou muito feliz. Aquele homem das greves do ABC está no seu terceiro mandato como presidente, um trabalhador chegou presidência. A mãe, que ficou sem você muito nova, em uma situação complexa e difícil, teve outro companheiro que marchou com ela até dezembro de 2022, quando ele faleceu, era gente boa.
A dor da sua ausência é constante, mas o amor que sentimos por você é eterno, queria você aqui para conversar comigo, com meus irmãos e toda família, é tanta coisa para fazer e ouvi você que a cabeça não para de pensar e sentir esse vazio e saudade. Sua vida foi uma prova de coragem e amor, um legado que jamais será esquecido.
Que sua memória viva em nossos corações para sempre.
Feliz Dia dos Pais.
Markinhus Souza - Sociólogo, coordenador do Projeto Meninos e Meninas de Rua
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