Por: Joaquim Netto.
À todos aqueles e aquelas que labutam, lutam por um direito: um pedacinho de terra pra plantar e pra colher...
A discussão acerca da posse/propriedade da terra remonta ao Império Romano.
"Uti possidetis" = A terra é de quem nela está usufruindo. Princípio do Direito Romano que passou pela Península Ibérica e atingiu a América Latina.
Ainda esta semana o STF (o pleno) discutiu acerca da demarcação da terra dos Yanomamis no Estado de Roraima. Como se sabe, para os Yanomamis, a terra é muito mais do que um meio de produção de riqueza. A natureza é algo mítico (cultural) para eles.
O homem branco por um processo de grilagem ou mesmo por violência física (capangas, jagunços) vai avançando sobre a área indígena. E se o Estado não intervier, como dizem: "a corda quebrará do lado mais fraco", ou seja: dos yanomanis! Incrível!
Os portugueses (Cabral e Cia) chegaram por aqui em 1500 (ocaso do século XV). Já estava vigorando um tratado assinado na cidade espanhola de Tordesilhas entre os dois países ibéricos: Portugal/Espanha. Refiro-me, pois, ao Tratado de Tordesilhas assinado em 1494. Observem! Portugal e Espanha (brancos europeus) já dividindo parte do território americano entre eles, "na cara de pau"!! Sem combinar com as inúmeras tribos (nações) indígenas que há muito tinham a posse dessas terras. E o pior: tinham o aval da Igreja Católica Apostólica Romana(papa Júlio II)!
O que estabeleceu este tratado? Seriam de Portugal as terras descobertas e a descobrir situada a leste de um meridiano traçado polo a polo, a 370 léguas das Ilhas de Cabo Verde, enquanto as terras situadas a oeste deste meridiano pertenceriam à Espanha.
Os portugueses, na década de 1530, instituíram em sua porção (leste do meridiano) as Capitanias Hereditárias. Julgavam se os donos das terras e, por conseguinte, poderiam doar a quem tivesse poder aquisitivo (donatários) para explorarem. Tudo isso, claro, sem anuência dos verdadeiros donos das terras, pelo princípio "uti possidetis", os índios!
O Brasil colonia emerge sob o signo da exploração covarde do europeu (no caso, portugueses) sobre o nativo, os índios. E aqui era pior, pois aqui a injustiça era praticada pelo próprio Estado português. Observem, agora, com o STF discutindo a demarcação da terra Ianomami que o descalabro, a prepotência, o desrespeito às minorias neste país vem de longe. Muito longe!!
Um pais com quase 9.000.000 de quilômetros quadrados e com tanta gente sem um pedacinho de terra sequer para plantar um pé de aipim!
Um país escravocrata oficialmente até 1888. Antes da assinatura da Lei Áurea, contudo, a elite agrária deste pais, instituiu a famigerada Lei de terras, em 1580. Esta lei foi sancionada por Pedro II e estabelecia, em síntese, que: A terra era de quem tinha o título de propriedade devidamente averbado em Cartório de Imóveis. E quem controlava os cartórios? Aqui se aprofundou o que, comumente, denominamos de "grilagem de terras no Brasil"!! Através deste perverso, covarde processo o homem branco foi tomando as terras dos índios. Acuando-os. Aqui no Sul da Bahia, terras totalmente indígenas outrora, hoje objeto da especulação imobiliária. Aos índios restaram o confinamento em pequenas aldeias. Mais do que isto: "Colaram (o homem branco) ao índio a pecha de preguiçoso, vadio..."!! Veja que a lei de terras precedeu, logicamente, a lei Áurea. Uma lei casuística, pois.
Os portugueses desrespeitaram o princípio do 'uti possidetis" quando lhes interessava, como se observa, contudo, escorado neste princípio, expandiram significativamente à oeste. Um "far west" sul-americano, "mutatis mutantis"!! Foram ajudados pela União Ibérica que perdurou de 1580 a 1640. Neste período (60 anos) éramos todos espanhóis.
Ainda hoje nosso Código civil persiste o instituto da posse resquício do Direito Romano (uti possidetis). Ou seja: A terra é de quem a possui. Daquele que está ali, usufruindo por muito tempo mansamente, pacificamente!! O que, a meu juízo, é justo e não daquele que, de repente, (sabe-se lá como!) aparece com um título de propriedade!
Ao redigir este texto, confesso, ainda não me inteirei acerca da decisão do STF, acerca da demarcação da terra dos yanomamis, contudo, espero, que tenham escorada a decisão neste tão antigo e atual princípio do Direito Romano: "Uti possidetis": A posse da terra pertence a quem, de forma mansa e pacífica, nela está!! Simples assim!!
A luta por um pedacinho de terra continua neste país continental. Por incrível que pareça!! Viva o MST!! Viva o lavrador!!
Joaquim Netto:Filósofo, Advogado, Médico e Escritor.
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