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Entre o berimbau e a Câmara: a luta pela capoeira nas Escolas

Atualizado: 2 de ago.

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Por: Maria Lúcia Santos***



Resistência, cultura e embates políticos marcaram a proposta pioneira do vereador Aldo Santos para incluir a capoeira no currículo escolar. O projeto, derrotado em plenário em 1999, expôs divisões ideológicas e trouxe à tona o preconceito contra a cultura afro-brasileira.

Por: Maria Lúcia Santos-

 

São Bernardo do Campo – Em 1999, uma proposta ousada ecoou pelos corredores da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo: o Projeto de Lei nº 75/99, de autoria do então vereador Aldo Santos (PT), propunha a inclusão da disciplina de capoeira nas escolas municipais de ensino fundamental. O texto, direto e objetivo, buscava institucionalizar nas salas de aula uma prática que, durante séculos, foi criminalizada e marginalizada. A votação revelou não apenas divergências políticas, mas também resistência em reconhecer a capoeira como instrumento pedagógico, cultural e social.

 

Uma votação emblemática

A proposta recebeu parecer contrário da Comissão de constituição, Justiça e redação e foi rejeitada por ampla maioria.

Vereadores que votaram contra o Projeto (Osvaldo Camargo, Laurentino Hilário, Tunico Vieira, Dr.Alberto, Gervásio Paz Folha, Lenildo Magdalena, Orlando Morando júnior, Sergio Demarchi, Ivanildo de Jesus, Dr. Amedeo Giusti, Macalé, Minami, Sakata.)

Vereadores que votaram favoráveis ao projeto (Aldo Santos, Tião Mateus, Antônio Carlos da Silva, Zé Ferreira). Ausentes no plenário (Ana do Carmo, Gilberto Giba Marson, Tavares). O Vereador Edinho não votou, no exercício da Presidência.


Entre os argumentos contrários, destacavam-se questões relacionadas à constitucionalidade da proposta e ao entendimento de que o tema competiria ao Executivo. Alguns reconheceram o valor cultural da capoeira, mas defenderam que sua inserção não poderia ser obrigatória por meio de lei. A discussão escancarou obstáculos históricos ao reconhecimento de práticas afro-brasileiras no espaço institucional.

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 A derrota política e as resistências enfrentadas

Mesmo diante de uma derrota em plenário, a proposta de Aldo Santos de incluir a capoeira no currículo escolar se revelou visionária. A resistência enfrentada por ele à época — permeada por argumentos ideológicos, raciais e até religiosos — contrastava com a valorização crescente da capoeira em outras esferas do poder público e da sociedade civil.

 

 Enquanto o projeto era rejeitado em São Bernardo, mestres como “Bimba”(Manoel dos Reis Machado), Pastinha (Vicente Joaquim Ferreira), “Mestre João Grande” (João Oliveira dos Santos), “Mestre João Pequeno” (João Pereira dos Santos) (https://capoeiraibeca.com/familia-ibeca/a-capoeira/grandes-mestres/) e tantos outros continuavam a disseminar a capoeira em projetos sociais, periferias urbanas e escolas livres, reafirmando seu papel na construção da identidade e da resistência cultural brasileira. Projeto permite aulas de capoeira nas escolas


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Na esfera legislativa, outras cidades avançavam. Salvador, Recife, Belo Horizonte e São Paulo (https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-17566-de-8-de-junho-de-2021) criaram políticas públicas que incluíam a capoeira em seus programas educacionais e culturais.

Educadores e militantes do movimento negro consolidaram a visão da capoeira como ferramenta pedagógica capaz de promover cidadania, autoestima e respeito à diversidade.

Capoeira: luta, arte e educação


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Mais do que um jogo ou uma dança, a capoeira é expressão de história, resistência, musicalidade e filosofia. Em projetos educacionais implementados posteriormente em outros municípios, demonstrou impacto positivo na redução da evasão escolar e na valorização das identidades negras entre crianças e adolescentes.

A iniciativa de Aldo Santos antecipou debates que se tornariam centrais na educação brasileira. A exemplo da Lei nº 10.639/2003 Lei nº 10.639/2003  — que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas — e das diretrizes nacionais para a educação das relações étnico-raciais.

 

Um legado que atravessa fronteiras



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Mais de duas décadas depois, o episódio na Câmara de São Bernardo segue atual. Ele revela as barreiras enfrentadas por saberes historicamente excluídos do currículo escolar. A proposta de Aldo Santos, embora derrotada em 1999, antecipava um movimento maior de reconhecimento da capoeira como expressão cultural e pedagógica.

Hoje, essa arte afro-brasileira está presente em salas de aula, praças e centros culturais em todo o mundo. Seu reconhecimento pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade (Capoeira é reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade) confirma o que muitos mestres e educadores sempre defenderam: a capoeira é instrumento de educação, identidade e resistência.

 

 Vitória tardia, mas histórica



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Anos depois, o que parecia impossível tornou-se realidade. Foi aprovada a inclusão da capoeira no currículo das escolas municipais. A proposta, similar àquela apresentada por Aldo Santos duas décadas antes, foi enfim sancionada, tornando-se política pública. A vitória, ainda que tardia, representou o reconhecimento do valor da capoeira e da luta de seus defensores. Aldo Santos viu, enfim, o fruto de sua insistência e militância florescer. O reconhecimento da capoeira como prática educacional não é apenas uma vitória legislativa, mas também simbólica. É a afirmação de que as vozes historicamente silenciadas podem, com persistência, transformar estruturas.

A história da capoeira nas escolas de São Bernardo do Campo é também a história de uma luta coletiva — conduzida por mestres, educadores, militantes e um vereador que ousou desafiar o conservadorismo da época.

Nota da autora:

Esta matéria é uma homenagem à persistência do vereador Aldo Santos e à importância de políticas públicas comprometidas com a diversidade e a justiça social. Que a capoeira siga ocupando seu espaço nas escolas, formando corpos livres e mentes conscientes.


 São Bernardo do Campo, 23 de julho de 2025

 

Maria Lúcia Silva Santos - Jornalista formada pela FAPCOM


 

 

 

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@ 2020 ABC DA LUTA 

OS TEXTOS PUBLICADOS SÃO DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES

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