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Pelo feriado nacional da Consciência Negra

Atualizado: 2 de nov. de 2023


Há doze anos, no primeiro ano de mandato da então presidenta Dilma Roussef, foi aprovado que o dia 20 de novembro passaria a ser o Dia Nacional da Consciência Negra, data em que fora assassinado o grande líder quilombola Zumbi dos Palmares, em 1695.


Em todo o Brasil, mais de 800 cidades adotavam a data como feriado municipal até este ano, quando São Paulo passou a reconhecê-lo como feriado estadual junto de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro. Os estados da Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Santa Catarina e Tocantins têm ao menos uma cidade onde o Dia da Consciência Negra é feriado municipal, enquanto que Pernambuco, Sergipe, Acre, Ceará, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul, Rondônia e Roraima não possuem nenhum. Avança no Senado o projeto do senador Randolfe Rodrigues de tornar o 20 de Novembro um feriado nacional, aguardando apenas votação e tramitação nas instâncias de poder.


A sociedade brasileira é profundamente marcada pelo seu passado colonial, resiste ainda em linhas gerais na concentração de renda, na distribuição da terra, na racialização das relações humanas, cujas hierarquias e desigualdades ainda obedecem o critério da cor. Errado é dizer, entretanto, que seus resquícios persistem apenas por sua resistência a decomposição, como quem espera ser diluído no tempo até sumir definitivamente, eles se adaptam, se transformam e se sofisticam, e dessa forma se mantém em nossa estrutura social e nas relações de poder.


A classe dominante do Brasil terá para sempre o signo da vergonha humana cravado em sua história, pois nesta terra, por quase quatrocentos anos se fez o grande cativeiro negro do mundo, transformando seres humanos em mercadoria e sendo o destino de mais de 4 dos cerca de 12 milhões de africanos e africanas tornados cativos pelo tráfico negreiro desde o século XV.


A farsa chamada de Grito do Ipiranga não contemplou com a liberdade as mulheres, pobres, pretos e indígenas, e dessa forma a deplorável instituição do trabalho escravo atravessou a dita independência brasileira, sobrevivendo ainda por décadas e assegurando com ela o poder dos senhores escravocratas. A grandiosa luta dos abolicionistas não se materializou completamente na alforria geral concedida em 13 de maio de 1888, pois o ato da princesa Isabel, ao oficializar a extinção da escravidão, não deu ao negro a condição de cidadão de fato, e por isso deve ser considerado uma espécie de farsa. Mais do que isso, a abolição da escravatura pelas mãos da antiga dinastia colonial foi uma manobra sutil das elites racistas, de modo que esta República, nascida da caneta do grande abolicionista negro José do Patrocínio, não somente não interrompeu o projeto eugenista de enbranquecimento do país, como o amadureceu, visando eliminar progressivamente a raça negra da composição social brasileira, ora pelo ingresso do elemento europeu em solo nacional, ora pela inviabilização de sua reprodução.


Nosso desenvolvimento econômico subordinado e excludente leva consigo a manutenção do racismo estrutural enquanto premissa para se realizar, se expressando ainda hoje na desigualdade imensa que torna homens e mulheres negras a minoria absoluta da população, uma minoria nos espaços de poder, nas universidades, mas maioria nas periferias, nas ruas e nos presídios.


No limiar do século XVII, liderados por Zumbi, os homens e mulheres palmarinos combateram bravamente a ordem colonial, escravocrata e racista. Na República de Palmares viviam pretos, indígenas, mestiços e brancos pobres, era uma sociedade mais próspera, tolerante, justa e igualitária do que todo o conjunto da colônia portuguesa nos trópicos americanos, e por isso mesmo um exemplo maldito para os senhores da ordem escravocrata. Mas sua destruição física e material pela expedição do bandeirante Domingos Jorge Velho não foi capaz de eliminar sua existência, seu legado sobreviveu nos quilombos, nas revoltas contra o Império, nos levantes populares por libertação nacional, nas lutas antifascistas, nos movimentos por justiça social, nas expressões artísticas da contracultura e das periferias e nas lutas por terra e moradia. Palmares vive na consciência de todos e todas que lutam por uma sociedade livre da opressão, do preconceito, da exploração e da injustiça.


Karl Marx escreveu em O Capital, que "O trabalho de pele branca não pode se emancipar onde o trabalho de pele negra é marcado a ferro". Em um país como o Brasil, onde classe e raça constituem um processo comum nas formas de opressão e de exploração da grande maioria do povo, a emancipação do negro é a condição para a verdadeira soberania do povo brasileiro em seu conjunto, explorado interna e externamente pelos herdeiros do colonialismo, nas figuras do agronegócio, da burguesia financeira e do imperialismo ocidental. Fazer do 20 de Novembro um feriado nacional não será apenas a conquista de um necessário ato de reparação histórica, será também o avanço e o fortalecimento da resistência contra as forças reacionárias e racistas que insistem em manter seus privilégios, baseados nas mais variadas formas de violência sobre pessoas não brancas. Zumbi vive na luta antirracista e na necessária construção de um mundo novo com liberdade, igualdade e felicidade!


Enfrente!



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