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O “Mito da Caserna”


Por: Aldo Santos .



Os historiadores, filósofos, sociólogos, conhecem muito bem a Alegoria da Caverna de Platão, também chamado de Mito da Caverna.

O mito da caverna está diretamente relacionado à busca do conhecimento, da verdade; Platão descreve homens acorrentados no fundo de uma caverna, de costas para a entrada, e o máximo que eles conseguem ver são as sombras da realidade do mundo em que vivem projetadas na parede da caverna. E cabe às pessoas acorrentadas, escravizadas historicamente nessa caverna, buscar a sua liberdade para poderem ter contato com o mundo real, com o mundo do conhecimento verdadeiro, afirmava Platão, discípulo de Sócrates de Atenas, séculos V - IV a.C.

Nos dias de hoje a humanidade, de certa forma, busca o conhecimento, do ponto de vista filosófico, do ponto de vista antropológico, do ponto de vista político, econômico, porém muitos ainda continuam acorrentados, escravizados no fundo da caverna da ignorância, dos preconceitos e dos falsos saberes. Templos, igrejas, lugares sagrados, santuários e também o mercado que se transformou num grande oráculo de busca do prazer imediato e do consumismo. Todavia, uma parcela dessa população, desses escravos que se libertaram do mundo da caverna, do mito da caverna, da alegoria da caverna, esses escravos conseguiram uma relativa liberdade que é uma escravidão diferente, mas que é uma pretensa liberdade compreendida como tal. Hoje nós nos deparamos com o que nós podemos chamar do “mito da caserna”.

O mito da caserna, por sua negatividade, revela que o povo lutou por muitos anos, conquistou inúmeros benefícios os quais foram incorporados pela Constituição de 1988, valores, costumes; e o povo buscou um pouco de ar, de liberdade contrária à escravidão mostrada e questionada no Mito da Caverna.

Mas o que é surpreendente é que no processo dialético, no processo da busca do conhecimento, uma parte da população segue o mito da caserna. O mito da caserna é um mito que nega a existência dessa terrível pandemia global que tem matado milhares de pessoas no Brasil e milhões pelo mundo, enquanto o falso saber da caserna nega a sabedoria, a ciência e a medicina que dizem para usarmos máscara, para termos cuidados básicos de higiene, manter o distanciamento e evitar aglomerações. O mito da caserna nega tudo isso, diz que não passa de uma gripezinha, que a Covid-19 não tem tanto perigo, que o povo precisa ser mais viril, que não pode ser marica, tem que ter coragem para enfrentar essa grande tragédia que é a tragédia do coronavírus.

Todavia, alguns compreendem o significado desse processo histórico que está em curso, pois não é o primeiro fato similar que ocorreu na história da humanidade. Alguns entraram para suas cavernas, alguns entraram para suas casas, o contato com o mundo externo é muito restrito ou quase inexistente, e entraram para dentro da sua caverna por força de algo muito mais consistente. Entraram para dentro das suas cavernas porque sabem muito bem que existe um inimigo à espreita para que possa contaminá-lo, para que possa inocular o vírus mutante, que é na sua grande maioria mortal.

Essas pessoas são muitas vezes acometidas em sintomas parecidos com uma gripe comum, mas uma parte significativa evolui para uma aguda falta de ar, compromete o pulmão, evolui para dores imensas pelo corpo, evolui para a febre, o que exige o paciente ser deslocado para a UTI, o que já está faltando nos hospitais públicos e até particulares, onde são intubados e a grande parte morre. A medicina e os agentes de saúde, em sua maioria, ainda não conhecem esse inimigo invisível, mas mortal; só uma parcela detém o conhecimento, detém o saber, os elementos da pesquisa, fruto da conquista da própria humanidade, que detém o conhecimento como isso funciona. Por isso as pessoas estão morrendo. Só para se ter uma noção, no Brasil, mais de 300 mil pessoas já morreram, sem contar que esse número está subnotificado como alguns cientistas afirmam, enquanto os negacionistas dizem justamente o contrário para minimizar os estragos da pandemia e o número de mortos.

Mesmo assim, muitos continuam dentro de suas cavernas, dentro das suas casas, pouco contato para o mundo de fora, porque esse contato pode representar não uma busca da liberdade, não uma busca da interatividade com o mundo real, mas pode significar a perda da vida, a perda do contato e sucumbir diante do mundo real e diante de um inimigo o qual ainda não tem conhecimento satisfatório, não temos medicamentos que curem, a não ser as vacinas já desenvolvidas e testadas em vários países do mundo com participação de nossos respeitados Institutos de pesquisas que são o Butantã, em São Paulo, e a Fiocruz no Rio de Janeiro.

Em alguns países as pesquisas estão avançadas, mas na terra do mito da caserna, tudo que os negacionistas, inclusive o governo federal, podem fazer para atrapalhar as medidas que evitam a morte da população, eles fazem, obstaculizando e inviabilizando-as em nome de um inimigo imaginário que é o comunismo e outras teorias da conspiração absurdas que enganam e confundem o povo simples, preso à caverna do senso comum e das “fake news”.

A pobre e humilhada população da caverna continua muitas vezes isolada, com morbidades doenças pré-existentes, e por isso estão definhando e morrendo. A atitude de enfrentamento da pandemia é muitas vezes sobrevalorizada pelos homens livres, pela "juventude livre", pelas pessoas que buscam nos oráculos da vida o prazer, ou até mesmo buscam exercitar deliberadamente a escravidão, de ter que trabalhar em rebanhos, em grandes conglomerados, e vão se contaminando e abreviando a própria existência humana. Não têm sido poucos os casos submetidos a esse ritual da morte, como uma base natural desse inimigo visível que hoje existe e foi chamado de Corona, o “capitão Corona”. Capitão Corona porque o mito da caserna é um capitão, e que, portanto, eles têm algo em comum; um adentra sorrateiramente no organismo das pessoas, principalmente dos idosos, dos negros, dos pobres das periferias e levam a morte essas pessoas que são inoculadas pelo vírus. O outro presta continência e serviço a esse vírus, na medida em que evita, inviabiliza mecanismos, práticas, ações médicas que poderiam ajudar na busca de melhorias e cura permanente para essa peste que está atingindo grande parte da humanidade, da população mundial, sendo o Brasil hoje o epicentro da pandemia.

O mito da caserna, não contente com o poder da necropolítica, do necrocapitalismo, ainda usa do seu potencial fazendo com que grande parte dos seus seguidores, numa espécie de quartelada institucional do executivo, coloca o agente diretivo desse processo também como um dos responsáveis pelo mito da caserna que é o próprio ministro da saúde que não tem vontade própria, mas faz tudo aquilo que o “capitão caserna” manda, cometendo equívocos, omissões, provocando confusão, desorientação e mortes.

As pessoas acolhidas, escondidas, presas na caverna, estão aguardando pelos meios de comunicação, pela pressão da sociedade, alguma forma de se libertar através de uma medicação, ou através de uma vacina para poder voltar para o mundo da liberdade, abrindo os portões e ter uma vida normal. Ter uma vida digna com a liberdade de ir e vir sem correr o risco da morte fatal desse inimigo que é amigo do mito da caserna.O vírus é invisível, mas tem aliados/as de cara, de fé e farda.

Mesmo assim, esses personagens que estão na caverna, na caverna moderna, estão dentro das suas casas, muitas vezes são ignorados, muitas vezes são segregados, de um lado por conta da consciência de que o inimigo é invisível e mortal em sua grande maioria; por outro lado também, as pessoas acham que esse isolamento não responde a certas exigências da ação transformadora e que algum tipo de risco precisa ser corrido para podermos enfrentar as sombras da caverna e da caserna.

Estamos, pois, diante de um dilema filosófico: sair ou não sair da caverna, enfrentar ou não enfrentar o vírus que está matando milhões de pessoas? E esse dilema só pode ser solucionado com liberdade e com conhecimento, porque o conhecimento para fazer a vacina, para impedir que o vírus continue se alastrando e infeccionando mais pessoas, lotando os hospitais, selecionando quem vive e quem não vive porque não há aparelho para todos e todas, etc. Mesmo assim o mito da caserna mantém-se no seu espaço sombrio, no seu espaço acorrentado. Acorrentado pela Lei de Segurança Nacional, acorrentado às leis e à ordem da disciplina das Forças Armadas, acorrentado ao mundo do atraso, ao fundamentalismo religioso, e todas as pessoas que dão apoio por conta dessa sua manifestação, que é a manifestação da profunda ignorância e do atraso e da morte pontual e deliberada sobre um contingente grande das pessoas e da humanidade de uma maneira geral.

Esse mito da caserna não se refere apenas a um país, mas está inoculado em vários representantes de outros países que agem da mesma forma, que negam a doença enquanto uma coisa que se existe e que leva o povo ao sofrimento sem fim, e leva o povo à morte. E essa morte é uma morte cruel porque as pessoas não têm se quer o direito de velar os seus entes queridos mortos, não têm sequer o direito do último adeus na hora do sepultamento.


Da mesma forma que o Mito da Caverna de Platão, as pessoas arrebentam suas correntes, saem para o mundo do conhecimento, para o mundo da luminosidade, enxergam esse mundo, e passam a ser senhores da sua própria história. Nós entendemos que os que hoje se encontram nas cavernas modernas, nas cavernas que asseguram a vida, a continuidade da vida, mesmo contra a vontade dos outros, contra a vontade de milhares de outros, que são negacionistas, que são defensores da necropolítica, da morte de uma maneira geral.

Assim que chegarem as condições para que o conhecimento se imponha, levando essas pessoas refugiadas em sua caverna para serem vacinadas, e ficarem em condições efetivas de vida, uma nova luta se travará para destruir não só o atraso daqueles que não queriam a liberdade dos povos das cavernas, mas também se travará uma luta para destruir o mito da caserna, que passou de todos os limites. Assim a caverna da caserna terá o próprio fim, porque o seu vírus deixará de circular, a necessidade da existência prevalecerá. O mito da caserna também deixará de ter necessidade de continuar existindo, pois será eliminado por aqueles que estão rompendo as correntes e saindo das cavernas para poder fazer o acerto de conta com o mito da caserna.

Chegaremos, pois, ao conhecimento, à luminosidade, ao novo sol que irá brilhar para aqueles que buscam a verdade, a justiça e a transformação do mundo, eliminando a cegueira, eliminando os detentores do poder que ainda se vangloriam e são chamados de mito da caserna por conta da cegueira histórica que ainda perdura em grande parte na população, da mesma forma que normatizava e normalizava a vida daqueles que estavam presos e acorrentados no fundo da caverna e iludidos por suas sombras e profecias enganadoras. As correntes do mito da caserna precisam ser arrebentadas!


Aldo Santos- Ex-vereador/sbc, militante da filosofia, da apeoesp e do Psol.

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