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Seu Lunga e eu


(Prof. Chico Gretter)*


Numa reunião virtual que fiz com amigos me compararam com o "Seu" Lunga, cearense cabra da peste, um personagem folclórico do Nordeste. É uma honra ser comparado com esse cearense, nordestino aperreado, inteligente e que não tolera burrice! É um tanto quanto grosso, ríspido, mal-educado como se dizia antigamente; mas Seu Lunga é sincero e autêntico...até demais. É, somos parecidos em vários aspectos, mas temos algumas diferenças fundamentais. Quais diferenças?

Não sou calmo, sou muitas vezes estúpido, detesto hipocrisia e não nasci no Nordeste do Brasil, mas no Sudeste. Seu Lunga pensa a partir de seu mundo local, eu que já pensei assim, hoje penso a partir dos grandes pensadores da História da Filosofia; mas nunca abandonei as minhas raízes caipiras do interior paulista e paranaense. Nossas diferenças não nos colocam um acima ou embaixo do outro.

Quem pensa, pensa sempre a partir de um local, de um "topoi", de um centro de referência que hoje chamam "lugar de fala". Só que meu lugar de fala não é minha etnia, não é meu sexo ou opção sexual, não é minha cor ou grupo social. Meu “lugar de fala” são os conceitos desenvolvidos na história da Filosofia, das referências filosóficas ocidentais, pois me tornei filósofo. Seu Longa não é filósofo? No sentido do que entendemos por Filosofia, não é! Mas ele não pensa filosoficamente? Pensa!

Seu Lunga parece seguro, feliz, sabe o que fala e não duvida de suas crenças e ideias. Eu não tenho essa segurança, não sou "feliz" dessa felicidade pura e até mesmo ingênua; e duvido o tempo todo! Mas numa coisa somos muito parecidos, pois ambos somos filósofos, estes seres "desajustados" que vivem questionando tudo, inclusive a si mesmos. Somos “filósofos” por que nosso pensamento é autônomo, crítico e ácido; nós, como Nietzsche, filosofamos a marteladas; e somos "humanos, demasiado humanos"!

Há muitas diferenças e semelhanças entre eu e o Seu Lunga; mas numa coisa eu perco para ele: seu pensamento, seu cinismo (grego) e suas rugas foram forjadas do "barro do chão" onde vem o Baião de Luiz Gonzaga e todos os sanfoneiros do Nordeste. O Forró que vem do barro do chão e alimentou e deu de beber a todas as "Vidas Secas" que um dia tiveram que fazer uma "Triste Partida" para não morrer no sertão do agreste. Seu Longa pensa, vive e fala ao ritmo de "Asa Branca", "Súplica Cearense", "Assum Preto", "Vida de Viajante", "Sala de Reboco" e tantas outras obras primas. Seu Longa tem nas veias o ritmo que vai revolucionar o Brasil e, quem sabe, o mundo! Eu sou apenas um caipira do interior que acordava de madrugada com os sons sertanejos da Rádio Tupi ou Bandeirantes, com as duplas Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho, Zico e Zeca, Milionário e José Rico, Pena Branca e Xavantino e tantos outras.

Como nós brasileiros, do Sul e do Norte, somos tão diferentes e também tão semelhantes. Quem sabe um dia a gente aprende e se une como profetizou um longínquo alemão que foi enterrado em Londres: "Trabalhadores do mundo, uni-vos"! Quem sabe um dia a gente aprende a se unir com as nossas diferenças e a agir, não apesar delas, mas por causa delas!

Obrigado, Seu Lunga, por ser tão chato! Obrigado a quem me fez conhecê-lo tão tarde. Eu que conhecia apenas Ariano Suassuna! Esse então nem merece atenção, né! Nem é preciso falar de Paulo Freire, um Pernambucano que não deve nada ao alemão Marx quando o assunto é Educação e coisas que se contam debaixo dos pés dos jequitibás pelo sertão, sob o sol que brilha e queima, mata e dá vida, que o Karl não conheceu. Porém, eu sempre digo: um dia "o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão"!!! Obrigado, Seu Longa!


São Paulo, 18/07/2022

*Prof. Chico Gretter: professor de Filosofia por 35 anos, mestrado em História e Filosofia da Educação, Conselheiro Estadual da APEOESP e presidente da APROFFESP.

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