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REAJA:NENHUM PASSO ATRÁS, NENHUM DIREITO HUMANO À MENOS!

Atualizado: 30 de dez. de 2020




Por:RÔ MARKS .





Já faz muitos anos que a população de São Bernardo do Campo e toda a região das Sete Cidades do Grande ABCDMRR, sofre com violações de direitos humanos, principalmente quando o assunto é o direito básico à um lar, uma “moradia digna”.


As ações de desapropriação, despejos e outras violações humanas, estão ocorrendo constantemente nos últimos meses e em diversos pontos da cidade.


Além de tudo, alta no desemprego e subemprego, a falta de saneamento básico, água potável e políticas públicas de inclusão para a população em situação de vulnerabilidade, estamos em meio à uma Pandemia, comparada a outras cidades, São Bernardo está no epicentro da doença Sars-Cov-2 popularmente conhecida como COVID-19 com o total de 1.176 óbitos confirmados até a data de 27/12/2020 [1].


Na data de 21 de Dezembro de 2020, às vésperas do Natal, por volta das 10:00 horas da manhã, moradores da Vila Lulaldo no bairro Balnearia, receberam a visita dos Oficiais de Justiça, Guarda Metropolitana Municipal e Tropa de Choque com intimações destinadas aos moradores para o cumprimento de ordem judicial de Reintegração de Posse com demolição das moradias.

O exercício pleno da moradia, diferente do direito à propriedade, pois aquela é mais ampla que esta, deveria ser exercida de forma digna e em paz, um direito humano reconhecido pela Comunidade Internacional em vários Tratados como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 [2], o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais [3], a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial [4], Tratados do qual, o Brasil faz parte.


O direito à moradia foi incorporado na Constituição Federal de 1988, denominada Constituição Cidadã, pois expressa toda a importância das garantias individuais e principalmente do princípio da dignidade da pessoa humana[5] como um parâmetro para as leis.


O artigo 05º da Carta Magna de 88, assegura o direito à propriedade, à liberdade de ir e vir, de se expressar, de ter a religião que quiser, de ter garantida a inviolabilidade do lar, da correspondência e das contas bancárias, salvo por decisão judicial [6].


O artigo 182 ainda estabelece como objetivo da política de desenvolvimento urbano a ordenação do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes.


O direito à moradia é um princípio fundamental trazido pela 26ª Emenda Constitucional, alterando o texto constitucional no seu artigo 6º, “caput”, que passa a descrever:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.


Voltamos um pouco mais a história, em meados da década de 60/70, os Professores e ecologistas do MDV [7] explicam o contexto sociológico da região e a falta de políticas públicas:

“Os técnicos só não contavam com uma coisa; a rotatividade de mão de obra nas indústrias do ABC e seus baixos salários que acabariam levando ao desemprego milhares de trabalhadores e consequentemente “expulsando-os para a periferia do ABC (mananciais), já que esses desempregados, não podendo pagar seus aluguéis, acabavam induzindo ou não, ocupando as margens da represa Billings [...]”. (FARIAS, Virgílio Alcides de; CASTILHO, José Contreras. ABC DA LUTA ECOLÓGICA. Diadema, SP. 2003. Livro não comerciável. Página 34. Grifamos.


A cidade que abriga e abrigou várias indústrias, faz morada e trampolim para vários ramos da atividade econômica, uma região abençoada por natureza, de acordo com a pesquisa dos ambientalistas do MDV “[...] O prefeito Lauro Gomes de São Bernardo, na década de 1950, dizia que gostaria de transformar o bairro do Riacho Grande numa Suíça Brasileira, já que ao redor de alguns lagos suíços existem habitações de alto luxo [...]”.


Vamos voltar um pouco mais no tempo para refrescar a nossa memória, lembrar como ocorreu a primeira iniciativa legislativa sobre o direito à propriedade privada, através da Lei nº 601 de 1850 conhecida como a Lei de Terras, continha a seguinte determinação; uma pessoa só poderia ter acesso à terra através da compra ou doação feita pelo Estado.


No mesmo ano de 1850 foi aprovada a Lei Eusébio de Queirós, prevendo o fim do tráfico negreiro e sinalizando a abolição da escravatura no Brasil, conforme narra José de Souza Martins, no livro A Escravidão em São Bernardo do Campo, Na Colônia e no Império (1988), com um vasto histórico e dados já esquecidos:


[...] em 1797, já estavam ocorrendo invasões dessas terras; religiosos declarando a intenção de iniciar litigio judicial para reavê-las. O desfecho da longa pendência foi uma decisão da Câmara Municipal de São Paulo contra os monges, em relação as terra de campo da fazenda, “por ser aquele terreno de servidão pública”. Ficavam os religiosos com as terras da mata. A sentença se apoiou literalmente no texto da carta de sesmaria, de 1571, concedida a Amador de Medeiros, relativa às mesmas terras repassadas ao Mosteiro de São Bento. Nela eram dadas as matas, “não entrando os campos, que ficam para os gados comum”. A sentença de 1831 reconheceu que se tratava de terras comunais, que o povo, ou melhor, os possuidores de gado, podia utilizar gratuitamente, instituição que desapareceria um pouco depois com a Lei de Terras. Página. 13. Grifamos.


O Século 21 e a falácia da meritocracia mantém a trágica sucessão histórica com relação ao direito à moradia e também o acesso à propriedade, limitando o acesso e direito à terra, quem sofre ainda são os mesmos, quem não possuem terras para cultivar e matar a sua fome ainda são os pobres, os moradores das favelas, os excluídos do modelo ideal na Sociedade capitalista, os invisíveis aos olhos do Estado.


Para compreender a atual situação é preciso conhecer e entender a nossa história, visto que, devemos contar e recontar milhões de vezes se for preciso, para não cair no esquecimento como disse o pensador Edmund Burke: “Um povo que não conhece a própria história está condenado à repeti-la”.


Todo esse processo desumano, descaso, omissão e negligência cai na conta da população vulnerável, que sofre a cada dia com a falta de planejamento urbano, a falta de estrutura e o mínimo de atenção para o atendimento e solução desses conflitos sociais.


Afinal, é interesse de todes o bem estar da comunidade, todes vão se beneficiar com a infraestrutura de uma cidade bem planejada, o que falta é interesse e competência dos políticos e do Poder Público, falta consciência da população ao escolher seus representantes.

O geografo Marcio Ackermann, relata bem essa dinâmica em seu estudo de caso sobre a região ABCDMRR e todo o entorno da Represa Billings:

“O passivo ambiental decorrente do intenso processo de urbanização após a década de 70, conjugado com a política habitacional insuficiente para atender a demanda, vem gerando ocupações em áreas ambientalmente inadequadas para habitação, e as APP’s[8] são as mais suscetíveis para tal fato [...]. ACKERMANN, Marcio. A CIDADE E O CÓDIGO FLORESTAL. 2ª Ed. Editora Plêiade. São Paulo, 2010. Página 39. Grifamos.


A história esclarece muito bem todo ato institucional de exclusão social, e a forma de atuação dos órgãos competentes, que deviam garantir o mínimo de acesso aos direitos básicos.


O Estado segue insistente na relativização dos direitos humanos e a preservação da vida, persistente nas violações das relações humanas e a vida em sociedade, o que nos resta é a infeliz necessidade de judicialização do direito à moradia, já que a lei, da forma que é aplicada, serve somente alguns e exclui a maioria do Povo.


Voltando ao momento presente e as vésperas desse Natal do ano 2020, mais de 20 (vinte) famílias foram intimadas, com o prazo de 15 (quinze) dias para que desocupem suas casas e fiquem à mercê da própria sorte. A maioria dessas famílias constituíram morada na área no mínimo 02 (dois) anos e/ou há mais de 10 (dez) anos, desde então buscam a regularização de suas moradias junto aos órgãos públicos, sem sucesso.


Na última ocasião do dia 21/12/2020, na tentativa de desapropriação e demolição das moradias, o Poder Judiciário de São Bernardo autorizou o uso de força policial na ação.É nessa hora que Justiça “cega, exclusa e tardia” se faz presente.


Os moradores intimados apresentaram aos Oficiais de Justiça e aos Ativistas Defensores do Movimento Social presentes, protocolos de atendimento junto a Secretária de Habitação, os recibos de pagamento de água/esgoto, alguns com contas de eletricidade, aguardam respostas sobre a promessa de “reassentamento” ou auxílio moradia com pagamento de aluguel social compatível com a demanda, há anos prometido, o que não ocorreu até a presente data.


É bom ressaltar que toda a área (Balneária) é alvo de especulações imobiliárias e também de grileiros que se aproveitam da situação e crescimento desordenado de ocupações na região, uma área que abriga diversas chácaras, aras, sítios, mansões em situação “regular”, além de áreas de entretenimento para adultos, a famosa Rota dos Motéis Km28, convivendo lado à lado com as áreas ditas “ocupadas” e todo descaso governamental.


A Cidade de São Bernardo do Campo compõe uma área de 409, 5 km² de área territorial composta de 191,42 Km² de vegetação nativa de Mata Atlântica, correspondente à 46, 81% do território de acordo com os últimos dados da EMPLASA em Março/2006.


Sobre o aspecto industrial e turístico, a região de São Bernardo do Campo já esteve em momentos melhores, nos últimos anos várias indústrias e pontos comerciais fecharam ou saíram da cidade por falta de infraestrutura e apoio ao comércio, a Rota do Frango com Polenta ficou mesmo na história.


Apesar do alto IDHM [9] em 0,8% (oito por cento), quase 30% (trinta por cento) da população (ou mais) se encontra em situação de vulnerabilidade social de acordo com o último índice IPVS[10] com renda per capta abaixo do salário mínimo (2010), a conta simplesmente não fecha [11].

O que esperar de uma cidade que não respeita o próprio Plano Diretor?


Logo agem inconstitucionalmente, seria pedir muito que apresentassem o cadastro atualizado com a real descrição e mantenham os índices de IDHM atualizados.


A atual gestão (PSDB) não senta à mesa com o Movimento de Luta por Moradia, não recebe o Movimento Social, não conversa com a população, não há contato com essas famílias, a gestão não conhece seus habitantes, não tem o mínimo de empatia pela situação.


Uma região rica em biodiversidade, compõe o conjunto das florestas brasileiras da Serra do Mar considerado Patrimônio da Nação, além disso a Represa Billings, hoje com 95 anos, um dos maiores e mais importantes reservatórios de água do Estado de São Paulo [12], está totalmente abandonada, de ponta à ponta, toda bacia hidrográfica (de oeste da Guarapiranga ao Sul da Serra do Mar) está comprometida pelo descaso e poluição.


Se faz necessário e urgente que a população REAJA, não devemos esperar muito dos atuais políticos, a história explica o interesse em torno da Billings e todas as vidas que aqui habitam, há quem interessa proteger e garantir direitos fundamentais ? Quais direitos são flexibilizados em detrimento de outros interesses?


Por isso meu Povo, façamos nossa parte, a luta por justiça social deve continuar, ergam a cabeça, mantenham a união e a fé, pois a palavra de ordem retirada no Movimento Hip Hop e na letra do RAP é REAJA[13], NENHUM PASSO ATRÁS, NENHUM DIREITO HUMANO À MENOS.



Rosângela Euzébio Marques, ou RÔ MARKS como é conhecida é Ativista e Defensora de Direitos Humanos, integra o Movimento Negro – fundadora Fórum de Combate ao Racismo de SBC, fundadora do Coletivo REDHUTOS – Rede de Educação em Direitos Humanos e Trabalho das Organizações Socioambientais, é Mediadora e Conselheira do Movimento Social e Ambiental; Bacharel de Direito pela Universidade Metodista – UMESP; especialista pós graduada lato sensu em Direitos Humanos e Segurança Pública pela Escola de Polícia Civil de São Paulo - ACADEPOL e Rede de Altos Estudos em Segurança Pública - RENAESP, Técnica capacitada em métodos de pacificação e solução de conflitos Mediação, Conciliação e Arbitragem pelo TASP e APEOSP-SBC, atua na CAPRIMAC – Câmara de Mediação, Arbitragem e Conciliação.

[1] Dados do Boletim Corona vírus Prefeitura de SBC. Disponível em https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/coronavirus/boletins [2]A Declaração Universal dos Direitos Humanos, expressa todos os direitos humanos básicos e universais, adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e assinada pelo Brasil na mesma data. Disponível em https://drive.google.com/file/d/0B0zTmpBe4fG-QjR5RFJHd29vSkk/view?usp=sharing [3] O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é um tratado multilateral adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966 e em vigor no Brasil desde 3 de janeiro de 1976. Disponível em https://drive.google.com/file/d/0B0zTmpBe4fG-QjR5RFJHd29vSkk/view?usp=sharing [4]A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial é um dos principais tratados internacionais em matéria de Direitos Humanos. Adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 21 de dezembro de 1965, em vigor em 4 de janeiro de 1969. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D65810.html [5] “A dignidade humana é entendida como uma qualidade de cada ser humano, que o protege contra tratamento degradante e contra discriminação odiosa, bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência. Ao Estado são impostos dois deveres afim de proteger a dignidade da pessoa humana: o dever de respeito, relacionado com a limitação de ação dos poderes públicos e o dever de garantia, que se relaciona com a obrigação de fornecer condições materiais que possibilitem a efetiva dignidade.” (GARCIA, Bruna Pinotti; LAZARI, Rafael de. Manual de Direitos Humanos. Editora Juspodivm. Salvador. 2015). [6] Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=391950&utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+stfsofatos+%28Supremo+Tribunal+Federal%29 [7]Movimento em Defesa da Vida, foi fundado em 1983 pelos ambientalistas da região do Grande ABCD, para salvaguardar a Represa Billings. Rô Marks é Conselheira do movimento no atual Mandato. [8] Áreas de Preservação Permanente (APP’s) [9]Índice de Desenvolvimento Humano Municipal [10] % (porcentagem) Índice população em vulnerabilidade social [11] Disponível em: https://www.saobernardo.sp.gov.br/a-cidade-em-numeros [12]Certidão de Nascimento da Represa Billings”. Decreto Federal nº 16.844, de 27 de Março de 1925. [13] Em memória do grande Rapper e amigo de lutas por justiça social Enézimo (1974 – 2020), a palavra de ordem escolhida pela pesquisadora faz referência à música REAJA do artista GuriZ NyacK, participação dos artistas Enézimo, Hébano, Keli Rosa, Bruno Bap, Preto R. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=sVGwG-h-r78

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