Dojival Vieira***
São Paulo – No dia 30 de abril de 1981, a banda terrorista do Exército que se opunha ao fim da ditadura militar e considerava Geisel “simpático ao socialismo”, planejou e executou o atentado do Riocentro, onde estavam presentes 20 mil pessoas para o show de 1° de maio.
Por pura incompetência dos executores, agentes do Doi-Codi do 1° Exército – o sargento do Exército Guilherme Pereira do Rosário e o então capitão Wilson Dias Machado, o primeiro morto e o segundo gravemente ferido na explosão -, não se obteve o resultado pretendido: centenas de cadáveres e milhares de feridos.
O objetivo era o mesmo do terrorista bolsonarista George Washington Souza, preso na véspera do Natal deste ano, quando se preparava para explodir o aeroporto de Brasília detonando uma bomba em um caminhão de gasolina de aviação.
Segundo o delegado-geral da Polícia Civil do Distrito Federal, Robson Cândido, a explosão dentro do terminal, causaria uma tragédia jamais vista na a capital.
“Se esse material adentrasse no aeroporto de Brasília, próximo a um avião com 200 pessoas, seria uma tragédia aqui dentro de Brasília, jamais vista…” disse o delegado, com base em informações da perícia da Polícia Civil.
Em 1981, o objetivo era evitar a abertura política, a transição negociada pelo regime para manter impunes os torturadores e seus crimes.
Agora, em 2022, o alvo é a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito por mais de 60 milhões de brasileiros, garantindo-se a manutenção no poder do bolsonarismo nazifascista.
Num caso e no outro, o que há de comum no terrorismo é a sua origem e a presença de personagens oriundos dos porões da ditadura. O modus operandi, objetivos e até os locais são os mesmos: estacionamentos.
No Riocentro, tentaram usar como alvos 20 mil pessoas, que se reuniam para um show de MPB; agora, o público do aeroporto Internacional de Brasília, o terceiro maior do país com média de passageiros/diária de 54 mil pessoas.
Bolsonaro não estava no Riocentro, é verdade. Mas já estava no Exército de onde se preparava para explodir bombas em quartéis e o reservatório do Guandu, no Rio, em defesa de reivindicações salariais da caserna.
O comportamento revelador da periculosidade do personagem que o próprio Geisel (a quem não se pode dizer que fôsse um democrata) considerava “um mal militar”, resultou na sua passagem para a reserva onde iniciou a nefasta carreira política.
Porém, os sinais do terrorismo podem ser encontrados ainda agora no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), na figura de um remanescente do sinistro período: o general Augusto Heleno, à época, ajudante de ordens de Sylvio Frota, o então ministro do Exército, o chefe mais graduado dos porões, responsável pela tortura, a morte e desaparecimentos de centenas de brasileiros.
As coincidências não param aí. Também em 1981, um Inquérito Policial Militar (IPM) dirigido pelo então coronel Job Lorena de Sant’Anna, apresentou o sargento e o capitão como vítimas, atribuindo o atentado a “grupos subversivos”; agora se prepara o cenário para um evento de muito maior envergadura e alcance nos seus efeitos trágicos, e que, se vier a acontecer, será atribuído inteiramente a esquerda e ao PT.
Contam com a multidão que chegará para a posse de Lula numa Brasília conflagrada e tomada por fanáticos alimentados pelo ódio e pelos sinais encorajadores que partem dos quartéis, todos enfeitados por acampamentos inspirados em palavras de ordem atentatórias à democracia e a segurança do presidente eleito (“não sobe a rampa”) e o apoio político e logístico inspiradores do movimento sedicioso e golpista. É o próprio futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, quem diz que tais acampamentos “são incubadoras de terroristas”.
Por todas as razões, deveria se evitar por todas as formas e meios qualquer situação que encoraje o terror no seu propósito de mergulhar o país nas trevas. Não é de valentia nem de coragem que se trata, mas da análise de custo benefício político, prudência, cautela.
Medidas de segurança não bastam, inclusive porque, não há medidas de segurança capazes de impedir atentados e atos de terror. Se existissem, o terrorismo não teria explodido as torres gêmeas em 2001, em pleno coração da Ilha de Manhattan, burlando os serviços de inteligência da maior potência militar do planeta.
Os sinais que indicam o cenário de um novo Riocentro, desta vez em Brasília, se tornaram ainda mais preocupantes com a decisão de Bolsonaro de abandonar o país e o cargo fugindo para os EUA; do seu vice (Hamilton Mourão, eleito senador pelo Rio Grande do Sul) de se negar a passar a faixa; e dos comandantes militares das três Armas que, depois de imporem ao novo governo o ministro da Defesa (José Múcio) se antecipam para entregar o comando, evitando bater continência ao seu novo comandante em chefe, o Presidente da República, e esquivando-se de responsabilidades pelo que, porventura, vier a acontecer no domingo 1° de janeiro de 2023.
Vozes sensatas como as que propõe a posse de Lula, com o adiamento da festa popular para quando o novo governo tiver total controle da situação limpando o aparato de segurança do bolsonarismo, deveriam ser ouvidas neste momento grave da vida brasileira.
Quando o terrorismo passa a ser uma variável do jogo político, admite-se que tudo pode acontecer, inclusive nada.
Contudo, não se pode naturalizar o terrorismo, como ocorreu com o bolsonarismo nazifascista, tratado, até há pouco e ainda agora por certos analistas e até por figuras proeminentes da esquerda no plano político e eleitoral, como um player da democracia liberal, um adversário (só mais excêntrico!) e não como inimigo de classe.
Neste caso, o preço que se paga, não é em votos, mas em vidas.
Dojival Vieira é jornalista e advogado, editor de Afropress - www.afropress.com
É membro fundador do Coletivo Cidadania, Antirracismo e Direitos Humanos.
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