Por vezes combalidos, mas nossa classe nunca será derrotada !!!
- Aldo Santos

- 9 de nov.
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Atualizado: 12 de nov.

Ana Valim- AbcdaLuta!!!
“Por vezes combalidos, mas nossa classe nunca será derrotada!”
A frase é curta, mas carrega o peso de uma vida inteira de enfrentamentos. Aldo Josias dos Santos, militante histórico do sindicalismo, na área da saúde, no Hospital Mandaqui na capital paulista, em plena ditadura militar no final da década de 70/80; da educação pública no Estado de São Paulo e das lutas por moradia no ABC. E ele a repete como quem reafirma um compromisso com a história. Hoje, Aldo enfrenta uma das batalhas mais duras de sua trajetória: a possibilidade de perder a casa onde vive, penhorada pela Justiça em razão de uma condenação política que remonta a 2003, além do carro e confisco salarial de aposentado, tendo o seu nome incluído no Cadastro Nacional de Condenados no Conselho Nacional de Justiça.
Mesmo diante da adversidade, Aldo segue de pé, fiel à máxima que o acompanhou por toda a vida: lutar é preciso!
Migrante filho de trabalhadores rurais, Aldo nasceu em uma realidade marcada pela seca, fome, miséria e toda forma de escassez, sempre em busca do esforço coletivo. Na adolescência, estudou na Escola Vocacional de Jales, no interior de São Paulo, uma das poucas instituições que ofereciam ensino filosófico/teológico e humanista aos jovens da zona rural.
“Ao final do ano de estudo, voltei ao ninho familiar”, lembra ele, “no resgate da vida coletiva, porque nunca acreditei em superação individual.”
Após ter sofrido envenenamento por produto agrícola na roça, em Mesópolis, Aldo foi forçado a vir para capital em busca de recuperação da frágil saúde, onde ficou quatro anos internado no Complexo Hospitalar do Mandaqui. Nesse contexto, teve início sua militância política, em plena ditadura militar, quando fundou com outros companheiros a Associação dos Funcionários do Hospital Mandaqui, vinculado posteriormente à luta pelo sindicato da saúde, visto que na ocasião era proibido ao funcionário participar das lutas sindicais.
Aldo foi também um dos fundadores da Asses - Associação dos Servidores da Saúde do Estado de São Paulo. Em 1982, foi candidato a deputado Estadual para ajudar na organização do Partido dos Trabalhadores, obtendo cerca de 13 mil votos.
Teve forte participação nas Comunidades Eclesiais de Base - CEBs, concluindo à época os cursos de licenciatura em Filosofia e Bacharel em Teologia pela faculdade Católica (Assunção/PUC).
Ainda jovem, envolveu-se com movimentos populares e enfrentou os anos duros da ditadura militar. Foi preso, perseguido e punido por sua atuação em defesa dos mais pobres. Nos anos 1980, quando trabalhava no Hospital do Mandaqui, na cidade de São Paulo foi transferido, arbitrariamente, por se recusar a silenciar e compactuar diante de injustiças com a saúde dos pacientes e dos trabalhadores daquela entidade. “A vida pública sempre me cobrou caro, mas não me arrependo de nada”, diz.
O educador libertário
Foi na sala de aula que Aldo consolidou sua principal trincheira, quando iniciou o magistério nas escolas públicas estaduais em Diadema, no ABC, região que fervilhava com as lutas operárias e sindicais dos anos 1980. Ali, a educação não era apenas um trabalho: “era um ato de formação e atuação política.”
“Em Diadema e depois em São Bernardo do Campo, aprendi o que é uma prática educacional libertária”, afirma. “Nunca furei uma greve. Fizemos das greves uma escola de lutas e cidadania.”
Participou ativamente da histórica ocupação da Assembleia Legislativa de São Paulo, onde educadores resistiram por nove dias sem água, luz e alimentação, enfrentando ainda bombas de gás, balas de borracha e a repressão do governo Mário Covas e vários outros.
Mesmo aposentado, Aldo segue nas fileiras da APEOESP, o sindicato dos professores, que ele chama de “categoria potente, combativa e generosa e uma escola formadora de centena de quadros políticos”.
Também foi um dos protagonistas da campanha pelo retorno da Filosofia ao currículo escolar. A partir dessa luta fundou a APROFFESP e a APROFFIB, associações que se tornaram vozes fundamentais na defesa do pensamento crítico na educação e na reivindicação da Filosofia no ensino fundamental e médio.
Do movimento popular à tribuna parlamentar
Eleito vereador, em 1989, e reeleito por quatro mandatos consecutivos, em São Bernardo do Campo, Aldo transformou o plenário da Câmara em espaço de disputa política e de representação popular. “A Câmara virou um campo de batalha”, conta. “Levamos para lá as vozes das ruas, as demandas dos trabalhadores, dos estudantes, dos sem-teto, do movimento negro e todas as formas de manifestações classistas.”
Além de vereador, disputou eleições para Deputado Federal, Estadual e vice-governador pelo Psol, em 2010. Foi ainda três vezes candidato a prefeito na cidade de São Bernardo do Campo na perspectiva de construção do partido na cidade.
Em 1989, apresentou o projeto que instituiu a primeira Sessão Solene em homenagem a Zumbi dos Palmares no município, no dia 20 de novembro - iniciativa pioneira que, mais tarde, se tornaria feriado municipal e, posteriormente, Lei Federal do Dia da Consciência Negra.
Também foi autor do projeto de passe livre estudantil, aprovado pela Câmara, vetado pelo então prefeito Maurício Soares, que não contente recorreu na justiça contra a referida lei. “Foi um grande aprendizado após intensa mobilização da juventude, uma referência de luta, que animou estudantes em todo o país”, relembra.
As tensões eram constantes. Aldo teve seu carro oficial recolhido pelo então presidente da Câmara, Gilberto Frigo, numa tentativa de silenciá-lo. “Mas o medo nunca foi opção”, afirma. “O mandato era coletivo e ninguém cala uma causa justa em defesa dos pobres e oprimidos.”
Mesmo contra a vontade dos órgãos de imprensa, foi reconhecido pelo programa RX das Câmaras, do Diário do Grande ABC, como o melhor vereador da cidade de São Bernardo e da das sete cidades do grande ABCDMRR.
Na câmara, foi secretário e vice-presidente da Mesa legislativa.
A luta pela moradia e a condenação
A defesa do direito à moradia é uma das marcas da trajetória de Aldo dos Santos. Participou da criação da Secretaria de Habitação e apoiou diversas ocupações urbanas, entre elas as do Novo Horizonte, Vila Ferreira, Vila Lulaldo, Vila Zilda, Vila Natanael, Terra Nova III, Parque Asa Branca, Uenoyama, São Pedro, Vila dos Estudantes e tantas outras lutas pela urbanização em São Bernardo.
Na gestão da cidade e na formação do governo, ocorreu pela primeira a eleição direta para subprefeitura do Riacho Grande, sendo eleito, com o apoio do mandato de Aldo dos Santos, o companheiro Francisco dos Santos, o Chicão, que foi exonerado por ter apoiado a ocupação da Vila Lulaldo, em 1989.
Mas foi o denominado Acampamento Santo Dias, em 2003, organizado pelo MTST, que o colocaria Aldo no centro de uma disputa judicial que o acompanha até hoje. A ocupação em um terreno pertencente à empresa Volkswagen do Brasil chegou a reunir cerca de dez mil pessoas. Diante das condições precárias e da omissão do poder público, que chegou a cortar água e energia, Aldo dos Santos, então vereador do PT, utilizou o carro oficial para transportar moradores doentes até o pronto-socorro da cidade.
Esse gesto de solidariedade se transformou em acusação política pela grande imprensa e pelo judiciário. O Ministério Público o denunciou por ato de improbidade administrativa, e após uma longa batalha judicial, Aldo foi condenado no STF à suspensão dos direitos políticos por cinco anos, à multa de dez vezes o salário recebido como vereador, valor hoje estimado em cerca de R$ 2 milhões, e à proibição de contratar com o poder público por três anos.
“É uma multa impagável para um professor aposentado”, desabafa. “Minha única culpa foi estar do lado certo da história. Não podemos permitir que a solidariedade seja criminalizada.”
Nos anos seguintes, Aldo enfrentou bloqueios de seu salário de professor aposentado e sequestro de poupança e, em 9 de fevereiro de 2025, a penhora de sua casa. Após atos de solidariedade e a atuação de sua defesa, liderada pelo advogado Dr. Jaime Fregel, a medida foi suspensa, cabendo ainda recurso pelo ministério público.
Além da defesa no âmbito brasileiro, o escritório político do Dr. Ariel Castro entrou com representação junto à OEA e à ONU contra a violação de direitos no caso de Aldo e de Camila Alves, que também foi condenada, visto que era do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e coordenadora da ocupação Santo Dias.
Para alguns advogados, “estamos diante de um tribunal draconiano e de condenação perpétua e da morte política dos militantes, embora não exista na constituição a figura jurídica de pena de morte”, destaca Aldo dos Santos.

Entretanto, no último dia 7/11, em pleno Mês da Consciência Negra, oficiais de justiça, mais uma vez, voltaram à sua residência para formalizar a hipoteca de seu carro - um bem de pequeno valor comercial, “mas de enorme valor simbólico”, que será levado a leilão em breve.
Entre a revolta e a esperança
“Confesso que a revolta de classe é grande com essa justiça burguesa”, afirma Aldo, com a voz embargada. “Mas, como diz Conceição Evaristo, combinamos de não morrer. Eles tramam a morte dos pobres, mas nós implacavelmente insistimos em viver - e em lutar até a sepultura definitiva deste sistema mortal que é o capitalismo.”
Os impactos emocionais e físicos das perseguições são evidentes. “Minha saúde tem piorado, ninguém é de ferro diante de contínuos e planejados ataques desta implacável injustiça. Eles vão minando nossa resistência aos poucos. Mas continuo de cabeça erguida — porque o horizonte que buscamos não combina com recuo ou cabeça baixa.”
Aldo termina a conversa reafirmando o que o move desde o início: a crença na transformação profunda e radical da sociedade. “Não há saída para a classe trabalhadora dentro do capitalismo. A única maneira de nos libertarmos é a construção internacional de um partido revolucionário da nossa classe.”
E cita Rosa Luxemburgo: “Há todo um velho mundo por destruir e um novo mundo a construir.”
Símbolo de uma geração
A história de Aldo dos Santos é também a história de uma geração que acreditou, e ainda acredita, na força coletiva e transformadora do nosso povo.
De camponês a educador, de militante a vereador, Aldo dos Santos atravessou as últimas décadas com a mesma coerência que o tornou referência entre os lutadores sociais do Brasil.
Hoje, mesmo sob o peso de uma sentença injusta, ele segue o caminho que escolheu: o da resistência propositiva.
Porque, como ele repete com convicção, “posso estar combalido, mas nunca derrotado.”
Quem é Aldo dos Santos
Nome completo: Aldo Josias dos Santos
Origem: Cearense, filho de trabalhadores rurais e migrante do interior paulista
Formação: Bacharel em Teologia, Estudos Sociais Filosofia, especialização em filosofia da Educação, sociologia do mundo do trabalh. Mestre em história e cultura e Doutorado em Psicanalise. Educador e Escritor
Trajetória profissional: Auxiliar de Enfermagem, Professor da rede pública estadual; militante sindical da APEOESP; ativista pela Filosofia Africana no ensino fundamental, médio e superior.
Vida política: Vereador por quatro mandatos (16 anos), em São Bernardo do Campo/SP, candidato a Deputado Federal e Estadual, vice-governador pelo Psol, em 2010, além de concorrer por três vezes como candidato à Prefeitura de São Bernardo Campo.
Marcos históricos:
Autor da primeira Sessão Solene em homenagem a Zumbi dos Palmares (1989), marco para a criação do Dia da Consciência Negra na região, e autor do projeto do feriado municipal na cidade no dia 20 de novembro de cada ano.
Propositor do projeto de Passe Livre Estudantil em São Bernardo
Participante ativo nas lutas por moradia popular e da criação da Secretaria de Habitação, Apoio e solidariedade ao Acampamento Santo Dias (MTST), origem de sua condenação política
Atuação atual: Militante sindical, escritor, psicanalista e membro da corrente política Enfrente!
Lema pessoal: “ Por vezes combalidos, mas nossa classe nunca será derrotada.”
Ana Valim
Jornalista, Mestra em Comunicação Social, autora do livro: “Lutar é preciso! – a saga de Aldo Josias dos Santos”, NPC – Núcleo Popular de Comunicação, 2024

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