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OS MOVIMENTOS NEGROS CELEBRAM O 20 DE NOVEMBRO, MAS NÃO O 13 DE MAIO. POR QUÊ?

Atualizado: 20 de mai.


Por Douglas Gregorio Miguel***



No dia 13 de maio perguntei aos meus alunos se esta data lhes dizia algo. Não, foi a resposta. Expliquei que se tratava do aniversário da assinatura da Lei Áurea em 1888, a qual aboliu em definitivo a escravidão no Brasil. Falei para eles que na minha infância escolar em pleno período militar, o 13 de maio era um dia de comemoração, e era célebre fazermos durante a aula o clássico desenho das mãos negras rompendo as algemas. Era lembrado como um dia glorioso no qual a sociedade brasileira superou o absurdo de homens escravizando outros homens. Lembrávamos da Princesa Isabel, “A Redentora”, que assinou esta importante e tardia lei, pois fomos o último país do mundo a acabar com este descalabro. Então, levantei a questão: por que os movimentos negros são efusivos na celebração do dia 20 de novembro – Consciência Negra – mas são reticentes com relação ao 13 de maio? Propus-me a explicar os porques. Comecei falando do processo de abolição da escravatura nos Estados Unidos que resultou numa guerra civil motivada por uma série de fatores, entre eles a promessa de indenização aos exescravizados que iria consistir na concessão para cada um deles de um lote de terra como apoio para recomeçarem a vida como homens livres – “40 acres e uma mula”. Entretanto, tal promessa nunca foi cumprida plenamente, mas foi o suficiente para assustar muitos proprietários de terras daquele país. Falei que a escravidão não acabou porque "gente boazinha" achava que se tratava de um ato desumano, mas sim pela pressão do nascente capitalismo industrial, o qual exigia mão de obra assalariada para ampliar a massa de consumidores... tanto que a Inglaterra colocava sua marinha para interceptar navios negreiros nas rotas do Atlântico entre a África e as Américas, impedindoos de chegar ao seu destino. Porém, os ingleses não se davam ao trabalho e despesas de uma viagem de retorno à África para devolver os capturados ao seu local de origem... eram simplesmente jogados no mar após serem sequestrados, arrancados de suas famílias e tribos, acorrentados e feitos mercadoria, então indesejada para a nova economia. Falei da pulha que foi a lei do sexagenário, um descarte lucrativo para o proprietário do escravo idoso quando este já não produzia o mesmo que um escravo jovem, que então era "libertado" para o amo não ter mais responsabilidade em sustentá-lo, e ainda por cima, se quisesse ter alforria plena, tinha que trabalhar de graça por alguns anos para "indenizar" o amo pela perda da "propriedade". Expliquei que nenhuma das leis abolicionistas, como a Eusébio de Queirós que proibia o tráfico negreiro, a lei do ventre-livre que declarava livres os filhos de escravos nascidos a partir da data de sua assinatura, e a própria Lei Áurea não foram criadas se pensando nos problemas, direitos e necessidades dos escravizados, mas sim nas conveniências do sistema econômico vigente. Falei que, ao não prever indenização nem nada que lhes servisse de ponto de apoio para reiniciar a vida como homens livres, os ex-escravizados foram jogados na rua como se fossem animais nocivos, só lhes restando a mendicância como opção, explicando que no Rio de Janeiro foram jogados na rua nus, já que as roupas que usavam eram propriedade do seu ex-amo, o que incomodou as elites que frequentavam os luxuosos salões do centro da cidade e então a polícia os enxotou para os morros periféricos, dando origem às favelas. Continuando, lhes expliquei quem foi de fato o verdadeiro herói da abolição: Luís Gama, expoente do movimento abolicionista, negro nascido livre mas feito escravo pela frieza de um pai branco falido, comentando que ele nunca se conformou com tal condição, aprendendo a ler e escrever sozinho para conhecer as leis e lutar nos tribunais pela própria liberdade, chegando ao ponto de ingressar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, a qual após sua formatura negou-lhe o diploma de advogado por não ter apresentado certificado de alfabetização, já que não tinha frequentado a escola de base. Isso não intimidou sua luta, sendo responsável pela alforria de centenas de escravizados sem cobrar-lhes um tostão por isso, mas veio a falecer alguns anos antes da assinatura da Lei Áurea, levando multidões às ruas para acompanhar seu sepultamento, chamado de “O Amigo do Povo”. Em 2015 a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, o reconheceu formalmente como advogado em homenagem póstuma. Para encerrar, expliquei que os movimentos negros não celebram o 13 de maio porque a abolição foi na verdade um excelente negócio para as elites que não tinham mais interesse no trabalho escravo, mas um péssimo negócio para os ex-escravizados, já que a tal “libertação” representou de fato a sua literal transformação em mendigos: homens livres, porém sem teto, analfabetos, sem emprego, sem roupa, sem comida, sem perspectiva mínima dentro de um sistema econômico e social que os excluía... exclusão esta que se estende até os dias atuais. Por isso os movimentos negros celebram como seu dia o 20 de novembro, dia em que os milhares de habitantes do Quilombo dos Palmares juntamente com seu líder Zumbi, no ano de 1695 foram trucidados pelas tropas do bandeirante Domingos Jorge Velho por não se submeterem à escravidão. O significado desse lamentável fato histórico representa a tomada de consciência de que todo homem nasce livre, seja ele negro, branco, ou de que etnia for... mas a liberdade de fato, que vem pela autonomia, independência, dignidade e respeito cidadão à pessoa do afrodescendente ainda é algo a ser conquistado.




Douglas Gregorio Miguel - Nascido na nossa amada São Paulo no eixo Brás-Moóca, filho das famílias italianas que fazem a tradição da região. Na adolescência a campanha das "Diretas Já!" trouxe a consciência da ação cidadã. A paixão pela Filosofia surgiu no ensino médio durante o período da abertura política, e desde então veio o engajamento no movimento estudantil e o ingresso na USP, o bacharelado, licenciatura, mestrado e doutorado paralelo à carreira de professor no ensino médio e superior, a qual já ultrapassa 35 anos.

 
 
 

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