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Neuroplasticidade em Risco: A Nocividade das Telas para Crianças Bem Pequenas


Professor Fagundes***


Neuroplasticidade em Risco: A Nocividade das Telas para Crianças Bem Pequenas

A vivência cotidiana nos apresenta cenas que, até pouco tempo atrás, pareciam improváveis: crianças pequenas, mal ingressando nos primeiros anos de vida, já imersas no universo digital, com olhos fixos em telas luminosas que competem pela atenção que deveria ser dedicada ao mundo ao redor. Uma cena emblemática ilustra essa inquietante realidade: uma criança de apenas dois anos, sentada em uma praça de alimentação, com um celular exibindo desenhos à sua frente. Enquanto seu pai tenta dialogar e alimentá-la, a criança permanece apática, desprovida de reações significativas, alheia ao sabor dos alimentos que consome e à interação vital com seu entorno.

Outra situação corriqueira revela-se quando uma criança da mesma faixa etária chega à creche acompanhada pela avó, segurando um celular que transmite desenhos infantis. Enquanto caminha pelas ruas, seus olhos fixam-se na tela, alheios ao trajeto, às pessoas e ao ambiente que a cerca. A desconexão com a realidade torna-se evidente quando, posteriormente, a criança chora ao ser privada do dispositivo eletrônico para adentrar o ambiente escolar.

Essas experiências, longe de serem isoladas, permeiam nosso cotidiano, revelando uma proximidade preocupante entre as crianças e as telas. Um exemplo mais precoce ainda é testemunhado em nosso próprio condomínio, onde um vizinho sai de casa com um bebê nos braços, cujo rosto está vinculado a um tablet, mesmo nas primeiras horas da manhã. Como educador, tal realidade suscita inquietações que transcendem o âmbito pessoal, motivando a busca por compreensão e a disseminação do conhecimento sobre os malefícios dessa precoce relação com a tecnologia. Este ensaio surge como um modesto esforço para direcionar a atenção à urgente necessidade de discutir e compreender as implicações neurocientíficas dessa imersão digital na infância.

Podemos iniciar nossa conversa perguntando se realmente esse encontro precoce e excessivo da criança com a tela é prejudicial? E, podemos falar de forma categórica que sim. A ciência já comprovou, há estudos científicos que destacam os malefícios dessa exposição. O renomado psicólogo russo Lev Vygotsky, por exemplo, ressalta a importância da interação social e do ambiente na formação das funções psicológicas superiores. Em seu contexto, a socialização ocorre de maneira concreta, permeada por vínculos familiares, amizades e interações com educadores.

Contrastando essa abordagem, a exposição excessiva às telas representa um estímulo unidimensional, caracterizado pelo excesso de estímulos sonoros e visuais. Esse tipo de interação, predominantemente virtual, contribui para a passividade cerebral, acomodação e o adormecimento do raciocínio, como apontam estudos recentes sobre neuroplasticidade.

A neurociência nos ensina que o sistema nervoso e cerebral desenvolveram-se ao longo do tempo para receber estímulos diversificados. A interação com o mundo real, como a natureza e as atividades práticas, é crucial para o desenvolvimento equilibrado e harmonioso desses sistemas. O psiquiatra Daniel J. Siegel, em seus estudos, destaca que estímulos sensoriais variados contribuem para a formação de conexões neurais robustas, essenciais para a aprendizagem e o desenvolvimento saudável do cérebro infantil.

No entanto, os estímulos provenientes das telas, como celulares, tablets e jogos, oferecem uma experiência sensorial limitada, desencadeando uma sobrecarga unidimensional que pode resultar em efeitos adversos no desenvolvimento neuronal da criança. Essa fase crítica nos primeiros mil dias de vida torna a criança particularmente sensível e vulnerável, aumentando os riscos para o seu desenvolvimento cerebral. Quanto mais jovem a criança, mais suscetível ela é aos impactos maléficos dessa exposição precoce e excessiva às telas. Nesse contexto, é imperativo repensarmos a forma como introduzimos a tecnologia na vida das crianças, priorizando experiências que promovam a diversidade de estímulos sensoriais e interações reais, fundamentais para o florescimento saudável de suas mentes em formação.

Os Riscos do Excesso de Informações na Formação Cerebral

Para além dos estímulos excessivos, a exposição precoce a dispositivos eletrônicos como tablets, celulares e computadores desencadeia, de maneira enganosa, o circuito da gratificação cerebral nas crianças. Este circuito, responsável pelo prazer associado à repetição, é o mesmo mecanismo viciante presente em jogos de azar, como evidenciado em plataformas conhecidas, como betano, sportingbet e f12.bet. Esse fenômeno neurocognitivo é crucial para compreendermos o impacto deletério que o uso indiscriminado de telas pode ter no desenvolvimento cerebral infantil.

O circuito da gratificação cerebral é acionado quando uma ação agrada intensamente ao cérebro, gerando o desejo de repetição. Embora esse mecanismo seja essencial para a formação de bons hábitos, como a prática regular de atividades físicas, ele também está intrinsecamente ligado à consolidação de vícios, maus hábitos e dependências psicológicas. A compulsão ou dependência às telas, em particular, compartilha semelhanças neurais com vícios em jogos de azar e substâncias psicoativas, criando um ciclo de busca incessante por estímulos digitais.

A vulnerabilidade do cérebro infantil a esses estímulos é notável, uma vez que as crianças, especialmente nas fases mais precoces da vida, estão no auge de sua potencialidade cerebral. Nesse contexto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) enfatiza a necessidade de impor limitações ao tempo de exposição a telas, variando conforme a idade da criança. Recomenda-se que crianças abaixo de dois anos não tenham contato algum com dispositivos eletrônicos, enquanto diretrizes específicas são estabelecidas para outras faixas etárias.

Estamos diante de um cenário em que, independentemente da idade, enfrentamos desafios relacionados ao uso excessivo de telas. No entanto, é fundamental reconhecer que o cérebro infantil é ainda mais suscetível a esses estímulos prejudiciais. Ao submetermos essa matéria-prima nobre a estímulos nocivos, comprometemos imperativamente o desenvolvimento cerebral em uma fase crucial da vida. A conscientização sobre esses riscos, respaldada por orientações de organizações de saúde, é essencial para guiarmos práticas mais saudáveis e equilibradas no uso de tecnologia na infância.

A Plasticidade Cerebral em Risco: Os Perigos da Passividade Induzida pelas Telas

O ato de entregar celulares ou tablets às crianças como um meio de desenvolvimento de hábitos passivos contrasta de forma marcante com a ideia de construção de uma mente ativa, construtiva e que se desenvolve de maneira correta e necessária. Nesse contexto, surge um aspecto prejudicial das telas que merece nossa atenção: a contribuição para a passividade cerebral, comprometendo a plasticidade do cérebro.

Intelectuais como Jean Piaget e Lev Vygotsky ressaltam a importância da interação ativa no processo de aprendizado infantil. A teoria das inteligências múltiplas, proposta por Howard Gardner, destaca a diversidade de habilidades que as crianças podem desenvolver quando expostas a estímulos variados. No entanto, ao proporcionarmos às crianças um ambiente excessivamente passivo, como o oferecido por dispositivos eletrônicos, estamos negligenciando a oportunidade de construir novas conexões neuronais, sinapses cruciais para aprendizagens motoras, verbais e sociais.

A presença constante diante das telas compromete o tempo que a criança deveria dedicar a atividades mais enriquecedoras. A redução desse estímulo vital para o desenvolvimento neural prejudica não apenas a sociabilidade, mas também interfere nas funções psicológicas superiores. A imitação, fundamental para a aprendizagem infantil, é cerceada quando a criança se encontra em um contexto predominantemente passivo. A falta de interação com outras pessoas e a ausência de estímulos ativos e culturais resultam em prejuízos significativos na sociabilidade, concentração e aprendizagem. Esses déficits no desenvolvimento das funções psicológicas superiores têm implicações de longo prazo, refletindo-se negativamente no desempenho escolar e nas relações sociais.

É crucial que reflitamos sobre o exemplo que como adultos estamos proporcionando às crianças. Como podemos esperar que elas se afastem dos dispositivos eletrônicos se nosso próprio comportamento não condiz com tal pedido? Somos suas referências, seus espelhos, e é imperativo que atuemos como uma campanha de conscientização, fornecendo exemplos e orientações para o uso responsável e equilibrado da tecnologia. A mudança de postura é urgente, pois somente através de um esforço coletivo poderemos garantir um ambiente propício ao desenvolvimento integral e saudável das gerações futuras.



Professor Fagundes – Formado em Física e Matemática pela Universidade de Mogi das Cruzes. Pós-graduação nas áreas de Educação de Jovens e Adultos, Psicopedagogia Clínica e Hospitalar, e Gestão Escolar. Seu envolvimento com a educação transcende a teoria, refletindo-se em papéis práticos como Coordenador Pedagógico na prefeitura de SBC e como professor titular de Física no estado de São Paulo. Militante Sindical e políticos atuando em várias frente desde 1992 na APEOESP, SINDISERV e PSOL.




Referências:

Gardner, H. (1983). Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences. Basic Books.

Piaget, J. (1952). The Origins of Intelligence in Children. International Universities Press.

Siegel, D. J. (2012). Pocket Guide to Interpersonal Neurobiology: An Integrative Handbook of the Mind. W. W. Norton & Company.

Vygotsky, L. S. (1978). Mind in Society: The Development of Higher Psychological Processes. Harvard University Press.




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