Após ida solidária em apoio ao aluno Ian, na Fundação Santo André, juntamente com outros companheiros e companheiras, retornei a Subsede da apeoesp em SBCampo por volta das 16 horas.
Fiquei um pouco na Subsede e ao abrir a porta para eu retornar a minha casa, deparei me com essa trágica cena urbana.
Após chamar várias vezes a pessoa que estava deitada, a mesma disse que estava com sono e fome. Pediu-me para continuar dormindo naquele local e pediu comida.
Disse ainda que estava no cantinho protegida, pois as mulheres nas ruas são agredidas. Peguei na geladeira do sindicato o que tinha juntamente com café e a levei ao banco da praça para se alimentar.
Antes porém, começou a cantar a cantar: "Me de motivos pra ir embora..."
Ao senta-la no banco da praça com café e comida, estava mais contente e animada. Ao retornar para o sindicato ela me disse: espere ai menino, me de um abraço!
Algo inusitado ela me abraçou, me deu um beijo no rosto, agradeceu a atenção e me afastei refletindo sobre o ocorrido.
Como as mulheres mesmo em condições adversas expressam suas subjetividades e afetos?
Parafraseando o poeta Manoel Bandeira:
Vi ontem algo estranho
Na solidão, singularidade do pátio e abandonada
Pedindo para dormir, pois estava fraca, com fome e desnorteada.
Quando arrumamos algo para ela comer,
Não examinava nem cheirava:
Mesmo com as mãos sujas, engolia com voracidade.
Ela queria atenção, proteção e pão,
Não nos era estranha,
Não perdeu a dignidade e um pouco de elegância.
Mesmo com toda falta de oportunidade e desprezo das autoridades, aquela era uma mulher.
Obs. O poema bicho, de Manoel Bandeira foi escrito no Rio de janeiro em 27 de dezembro de 1947, retratando a realidade social do Estado e do País e qualquer semelhança com a realidade atual não tem nada de coincidência.
Aldo dos Santos - Escritor e militante social
1947! Nada mudou, o retrato da fome é da miséria continua exibido nas ruas nas casas da periferia, um retrato que me fere, que me faz sentir culpada por não poder mudar isto que está aí, ao nosso lado, por onde passamos...pouco podemos fazer...revoltante
Meu Deus e meu Senhor, como deve ser difícil suportar uma situação como essa. Pobre criatura... Por que tem que existir essa distância tão grande entre os seres na terra? Uns com chorume circulando nas veias, passeiam todo o tempo, dando gargalhadas dos que estão no andar de baixo, onde os direitos lhes foram castrados e sobraram as vontades: de comer, de se abrigar, de receber um sorriso, de serem vistos, de poder sonhar...
É tão simples devolver o sentido de humanidade a uma pessoa já tão fragilizada e descrente do mundo. Um leite quente numa manhã fria, um pão fresquinho... e o mais importante, um olhar, daqueles que diz sem dizer nada: eu te reconheço como meu/ minha irmão/irmã.
Pois é, onde chegamos com este sistema necrófilo e este governo genocida! A luta continua!