Crônica do Sangue que Clama
- Aldo Santos
- 13 de abr.
- 2 min de leitura

Os tambores ancestrais ecoam nas veias da
cidade, onde os passos dos meninos e meninas negras, desenham mapas de resistência, nas calçadas rachadas. “Parem de nos enterrar vivos!”, gritam suas sombras, projetadas nos muros pichados de luto. Cada bala que silencia uma garganta preta, rasga a memória dos reinos de Benin, do cativeiro, que tentou apagar os nomes originais, sob números de navios negreiros. Quantos mestres de obras invisíveis, parteiras de futuros, inventores de pontes entre mundos, vocês já cegaram, com o fogo de suas armas?
A África não nasceu acorrentada. Foi o açoite colonial, que tentou transformar tambores em grilhões, danças em suplícios, histórias, em silêncios arquivados. Mas aqui, nos becos onde o asfalto suga o sangue de Adão e Eva negros, renascem os arquitetos ,de um novo código de existência: toda vitória de uma menina quebra-cadeiras, é uma brecha no muro da opressão.
Não há libertação, sem raízes desenterradas. Estudar, é arrancar os grãos da memória, enterrados no ventre da terra arrancada. As vítimas têm endereço, sim: são as mesmas coordenadas onde o Estado, planta valas em vez de escolas, onde o genocídio veste farda e distribui sentenças sem julgamento.
Nenhum recém-nascido traz no olhar, a semente da discriminação. Aprendemos a desumanizar nas cozinhas do medo, nas salas de aula do preconceito. Mas se o veneno é fabricado, também se tece o antídoto: ensinar as crianças a ler o mundo, nas línguas originárias, a decifrar as estrelas, que guiaram os povos livres, antes das caravelas.
Enquanto houver uma criança indígena, escondendo sua língua materna para não ser chicoteada, enquanto uma mãe preta, contar os minutos, até o filho voltar da esquina, enquanto a terra sangrar, sob as escavadeiras do "progresso" – haverá uma crônica escrita, com os ossos dos que não se calaram. O amor será revolucionário, será uma trincheira de abraços, onde hoje se erguem muros de ódio.
“Ninguém traz no berço, o germe da intolerância. Se o ódio se forja na ignorância, que nossas mãos acendam as fornalhas, onde se fundem novos alfabetos de humanidade.”
Nas quebradas e nas aldeias, o amanhã se constrói com a argamassa da memória. Cada livro aberto, é uma janela para um mundo, onde as crianças não nascem marcadas para morrer. Até lá, seguiremos escrevendo crônicas, com o mesmo sangue que insistem em derramar – porque nosso teclado, é mais persistente que suas balas.
Barthes (Cabana)
Obs. Publicado no esquerdadiário.com.br
Que texto!! É um grito que sai das gargantas de quem não aceita uma história construída sob tão cruel alicerce!!!