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Carta do Filósofo Vladimir Safatle à APEOESP, à APROFFESP e à APROFFIB.


Parece haver consenso no país de que não há precedente histórico para o processo de desmonte da educação pública realizado por este governo. Desde 2019, enquanto tem aumentado salários de militares e destinado bilhões de reais para deputados via orçamento secreto, o Governo Federal tem reduzido investimentos em ciência e educação de maneira sistemática.


As ações ocorrem em múltiplas frentes: redução de bolsas na Capes, bloqueio do MEC para contratação de professores afetando o funcionamento das universidades, corte de 87% da verba para ciência e tecnologia em 2021, esquemas de “escolas fakes”, transformação do MEC em balcão de negócios operado por pastores. Bloqueios, desvios e cortes orçamentários tem sido frequentes: o corte de investimento nas universidades foi de 96% nos últimos 5 anos, R$ 8 bilhões só em 2022 . Hoje temos 17 universidades federais sob o risco de parar, posicionando a gestão Bolsonaro como a pior de toda história, sob qualquer critério, segundo a maior parte dos educadores e mesmo certas ONG’s dedicadas à educação . O processo de desqualificação ocorre também e, sobretudo, como se sabe, no plano discursivo e ideológico, com ataques rotineiros visando descredibilizar o pensamento crítico e autônomo de educadores e pesquisadores. As razões para isso também são historicamente conhecidas. Já no século 18, Condorcet declarava que “a função da educação pública é criar um povo insubmisso e difícil de governar”. A frase sintetiza as motivações que levam um governo de extrema-direita, incapaz de aceitar o dissenso um horizonte mínimo de justiça social, a se dedicar contra a educação pública de uma maneira tão metódica e violenta. Educadores públicos são os agentes decisivos em qualquer processo de emancipação política efetiva.


É cada vez mais urgente, em todos os níveis de atuação institucional, interromper esse processo acelerado de desmonte. No Congresso Nacional, é imprescindível a formação de uma bancada da educação com educadores, professores e pesquisadores, com pessoas que conheçam de perto não só as dificuldades cotidianas da realidade escolar e universitária, mas que conheçam também as soluções práticas que os tecnocratas da educação e os “especialistas de ONGs com soluções inovadoras” quase sempre ignoram. É imprescindível que voltemos a discutir, em âmbito legislativo, a necessidade de reformas abrangentes do Ensino Médio através de Conselhos Nacionais de professoras e professores, com função deliberativa. É imprescindível que retomemos a discussão do Plano Nacional da Educação e que propostas como a federalização do sistema de Ensino Médio sejam colocadas em circulação.


Com a experiência de mais de 20 anos de docência e pesquisa, pretendo encaminhar um conjunto de propostas concretas e projetos de lei vinculados a essa premissa de que a educação pública deve ser esse eixo formador de uma cidadania autônoma e com espírito crítico permanente. Entre nossas propostas, destacamos: a) a criação de imposto sobre grandes fortunas e dividendos, aumento progressivo de imposto sobre heranças para até 40%, imposto sobre consumo conspícuo que seriam integralmente revertidos para a federalização do sistema de ensino médio; b) o fortalecimento da autonomia administrativa e financeira das universidades e eleições para reitores sem lista tríplice; c) a criação de sistema de escolas integrais vinculadas a garantia de condições materiais para a permanência de estudantes estudando em período integral; d) a duplicação do salário de professores do ensino fundamental e médio através da restrição do valor de salários e rendimentos do alto escalão do poder judiciário, executivo e legislativo.


Nossa candidatura defende que decisões sobre “políticas públicas” voltadas à educação devem passar pela deliberação direta de trabalhadoras e trabalhadores ligados à área. Ou seja, conselhos nacionais de educadores devem decidir sobre as ações mais sensíveis da área. Pois partimos do pressuposto de que a educação deveria deixar de ser objeto de exploração mercantil, de que afinal seja cumprida a obrigação constitucional segundo a qual o Estado deve garantir o financiamento adequado aos sistemas da educação pública, assegurando seu caráter gratuito, laico, inclusivo, equitativo e de qualidade. Tanto os critérios transparentes na formulação de políticas educacionais quanto a gestão democrática em todas suas instâncias decisórias devem ser respeitados.


É nesse sentido também que resolvi assumir o compromisso de, durante minha atuação parlamentar como deputado federal, não abandonar minhas atividades de professor universitário na USP, mesmo renunciando ao salário. Nunca estive distante da sala de aula nem quero estar. Pois é da sala de aula que vem a força da nossa candidatura e é pela experiência adquirida e continuamente renovada na sala de aula que nossa atuação parlamentar deverá se orientar.






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