Lúcia Peixoto***
Zumbi, Dandara de Palmares, Marielle... Presente!
"Numa sociedade como a brasileira, de herança escravocrata, pessoas negras vão experienciar racismo do lugar de quem é objeto dessa opressão, do lugar que restringe oportunidades por conta desse sistema de opressão. Pessoas brancas vão experienciar do lugar de quem se beneficia dessa mesma opressão. Logo, ambos os grupos podem e devem discutir essas questões, mas falarão de lugares distintos."( Djamila Ribeiro)
20 de novembro: Dia Nacional da Consciência Negra é uma data de celebração e de conscientização sobre a força, a resistência e o sofrimento que a opulação negra viveu no Brasil desde a colonização. Durante o período colonial, aproximadamente 4,6 milhões de africanos foram trazidos para o Brasil para servirem na condição de escravos, trabalhando primeiramente em lavouras de cana-de-açúcar e no serviço doméstico, e posteriormente na mineração e em outras lavouras.
Zumbi nasceu no estado de Alagoas no ano de 1655. Foi o principal representante da resistência negra à escravidão na época do Brasil Colonial. Foi líder do Quilombo dos Palmares, comunidade livre formada por escravos fugitivos dos engenhos, índios e brancos pobres expulsos das fazendas. O Quilombo dos Palmares estava localizado na região da Serra da Barriga, que, atualmente, faz parte do município de União dos Palmares (Alagoas). Na época em que Zumbi era líder, o Quilombo dos Palmares alcançou uma população de aproximadamente trinta mil habitantes. Nos quilombos, os negros viviam livres, de acordo com sua cultura, produzindo tudo o que precisavam para viver. Símbolo da resistência negra à escravidão na época do Brasil Colonial.
Embora tenha nascido livre, Zumbi foi capturado quando tinha por volta de sete anos de idade. Entregue ao padre jesuíta católico Antônio Melo, recebeu o batismo e ganhou o nome de Francisco. Aprendeu a língua portuguesa, latim, álgebra e a religião católica, chegando a ajudar o padre na celebração da missa. Porém, aos 15 anos de idade, fugiu de Porto Calvo para viver no quilombo dos Palmares. Na comunidade, deixou de ser Francisco para ser chamado de Zumbi (que significa aquele que estava morto e reviveu, no dialeto da tribo Imbagala de Angola).
No ano de 1675, o quilombo é atacado por soldados portugueses. Zumbi ajuda na defesa e destaca-se como um grande guerreiro. Após um batalha sangrenta, os soldados portugueses são obrigados a retirar-se para a cidade de Recife. Três anos após, o governador da província de Pernambuco aproxima-se do líder Ganga Zumba para tentar um acordo, Zumbi coloca-se contra o acordo, pois não admitia a liberdade dos quilombolas, enquanto os negros das fazendas continuariam aprisionados.
Em 1680, com 25 anos de idade, Zumbi torna-se líder do quilombo dos Palmares, comandando a resistência contra as topas do governo. Durante seu “governo” a comunidade cresce e se fortalece, obtendo várias vitórias contra os soldados portugueses. O líder Zumbi mostra grande habilidade no planejamento e organização do quilombo, além de coragem e conhecimentos militares.
O bandeirante Domingos Jorge Velho organiza, no ano de 1694, um grande ataque ao Quilombo dos Palmares. Após uma intensa batalha, Macaco, a sede do quilombo, é totalmente destruída. Ferido, Zumbi consegue fugir, porém é traído por um antigo companheiro e entregue as tropas do bandeirante. Aos 40 anos de idade, foi degolado em 20 de novembro de 1695.
Dandara de Palmares:
São pouquíssimos os registros sobre Dandara, parte dos historiadores ressaltam o fato de que não há documentos escritos referindo-se ao nome Dandara, mas, em contrapartida, há uma nova geração de historiadores que defendem a legitimidade da tradição oral na transmissão de conhecimentos por parte dos povos de origem africana. Dandara foi companheira de Zumbi e mãe de 3 filhos, liderava mulheres e homens, na luta armada e contra toda e qualquer forma de discriminação, não se encaixava nos padrões de gênero que ainda hoje são impostos às mulheres e usurpa tantas histórias de resistência como a de Dandara, a maior parte da sua história é envolta em grande mistério. Sabe-se que Dandara suicidou-se (jogou-se de uma pedreira ao abismo) depois de emboscada, em 6 de fevereiro de 1694, para não retornar à condição de escrava.
Ainda que tardiamente o nome de Dandara de Palmares foi incluindo no livro de Heróis e Heroínas da Pátria. O chamado “livro de aço” homenageia as lutadoras e lutadores fundamentais para a construção da história brasileira, depositado no Panteão Tancredo Neves, em Brasília. Ao lado de Luiza Mahin , Maria Felipa, Maria Quitéria, Zumbi dos Palmares e Luis Gama, dentre outros. Dandara de Palmares é considerada heroína na luta pela liberdade no Brasil. (Lei 13.816, de 2019) . Dandara vive em todas, todos e todes que lutam por liberdade.
Novembro traz consigo lembranças dos estigmas que o tempo não pode apagar, são marcas profundas que vão para além da pele rasgada, do sangue escorrido nas mãos de tantos Capitães do Mato. Marcas produzidas pela "não-consciência" dos senhores e senhoras de escravos, brancos europeus que em solo brasileiro (e outros tantos mundo afora) em nome do acúmulo de riquezas, da ganância pelo poder, da "consciência de superioridade" inúmeras vidas sacrificaram, sem demostrar piedade, empatia, humanidade.
Reivindicar o 20 de novembro como feriado nacional, dia da Consciência Negra em memória ao martírio de Zumbi dos Palmares, perseguido e emboscado, morto e decapitado em 20 de novembro de 1695 é celebrar a memória daqueles que tiveram a vida ceifada em quase 400 anos de escravidão e luta por liberdade.
Há ainda hoje quem questione a necessidade de defender o óbvio, afirmam "Nós não precisamos de um dia da consciência negra, branca, parda, amarela, albina. Nós precisamos de 365 dias de consciência humana". A "estes questionadores" devemos lembrar o significado de "consciência" recorrendo ao Dicionário Aurélio, temos que Consciência seria:
O atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar sua própria realidade;
faculdade de estabelecer julgamentos morais dos atos realizados;
conhecimento imediato de sua própria atividade psíquica;
cuidado com que se executa um trabalho, se cumpre um dever;
senso de responsabilidade;
conhecimento noção.(Dicionário Aurélio, 1993: p.140).
Assim sendo, não mais precisaremos de um dia de feriado nacional da consciência negra quando for feito o julgamento moral dos atos realizados nestes 400 anos de escravidão, quando for feita a reparação do trabalho usurpado, quando de fato houver consciência humana. Enquanto perdurar a opressão, a descriminação, o preconceito, o racismo estrutural, seguiremos semeando a memória de Zumbi de Palmares, resgatando a coragem e destreza de Dandara de Palmares e em nome de Marielle Franco pedindo justiça por todas, todos e todes que tombaram.
Nos versos de rimas quebradas que se seguem deixo minha sorórica homenagem: Dandara, Marielle Presente!
Para além do "racismo" hoje lembrado
Filosofo sobre a questão de Gênero
O lugar da mulher, negra, mestiça, brasileira
Pela historiografia oficial usurpado
Faço memoria à Dandara de Palmares
Mulher negra guerreira
Que por amor foi com Zumbi casada
Capoeira das mais bravas
Empunhava armas, branca ou de fogo não importava!
Ao lado de Zumbi governava
Em defesa do Quilombo na luta por liberdade
Dandara não tombou viva
Se atirou dum penhasco
Melhor morta que escrava
Quisera a história, branca machista, enterrar Dandara
Não lhe escreveram a biografia
Não registraram sua idade, onde nascera, filha de quem era
Mas aqueles que se rebelaram, de boca em boca contaram
Se é verdade que Zumbi foi Rei
Dandara foi rainha de Palmares!
... ... ...
Quando compus os primeiros versos, Marielle florescia
Falava de rosas e resistência
"As rosas da resistência nascem no asfalto.
A gente recebe rosas,
mas vamos estar com o punho cerrado
falando de nossa existência
contra os mandos e desmandos que afetam nossas vidas."
Semeava utopia!
Os frutos vindouros assombraram a “Casa Grande”
No dia 14 de março de 2018
Marielle foi ceifada
Não sabiam seus algozes
Tal qual Zumbi e Dandara
Corpos podem ser dilacerados
Atirados de penhascos
Esquartejados
Alvejados de balas (legalizadas)
Sonhos não podem ser enterrados!
Parafraseando Jarid Arraes*
(As lendas de Dandara)
Finalizo esses versos de rimas quebradas
Saudando Marielle Franco
Dandara de Palmares
Filhas de Iansã
Que na luta por liberdade
Fazem despertar consciência
Equilíbrio entre a humanidade.
Reproduzir ABAYOMI é bem mais que “resgate cultural” é reforçar elos de resistência é UBUNTU* (Ser com o outro). Como Dandara foi com Zumbi em defesa de Palmares, como Marielle é com todas, todos e todes nós, sementes de resistência!
Lúcia Peixoto - Professora de Filosofia na Rede pública Estadual, Ex-presidenta da Aproffesp,Poeta, Artesã, Bacharel em Ciências da Religião, Licenciada e Pós Graduada em Filosofia, Cursando Formação Pedagógica em História.
Comments