Prof. Chico Gretter ***
Depoimento de um sobrevivente!
Tenho um irmão mais velho que serviu o Exército no quartel de Quitaúna, Osasco, nos anos 70, fazia longas marchas, exercícios militares, era punido por qualquer coisa, não podia dar um pio contra seus "superiores" hierárquicos, saiu de lá detonado fisicamente - hérnia, má alimentação, ferimentos; e psicologicamente - “estressado”, nervoso, brigava por qualquer coisa, etc. A mulher com quem se casou foi uma verdadeira heroína ao ajudá-lo a sair das crises, a educar os mais de cinco filhos que tiveram. Hoje, com todos praticamente todos casados, curte os netos e aceita um deles que é homossexual, um verdadeiro milagre em se tratando da educação machista e da falta de carinho com que éramos criados naqueles tempos do “homem não chora” e “mulher tem que ficar em casa, cuidar dos filhos e obedecer o marido”.
Esse meu irmão, que ainda é vivo com 69 anos, foi tão “disciplinado” que não conseguiu terminar nem o ensino fundamental, não conseguia e não consegue até hoje ler um texto básico de duas páginas, tornou-se um chefe de obras por conta própria, tendo sido mecânico, carpinteiro, pedreiro, trabalhador da roça. E nas tardes de domingo, nos aparelhos de televisão preto e branco a gente cantava num misto de alegria e dor, “Sílvio Santos vem aí”; nos radinhos de pilha também cantávamos com o rei as “Jovens tardes de domingo, tantas alegrias, velhos tempos, belos dias”! Era tudo isso o nosso “Ouro de tolo” (Raul Seixas - 1973).
Pedroca chegou a ser internado algumas vezes em hospitais psiquiátricos que faziam dos doentes cobaias para experiências de cunho nazista, tipo Josef Mengele. Se demonstrasse alguma consciência social/política, era marcado como subversivo e entregue aos órgãos da repressão da ditadura civil-militar. No último “hospital” que fora internado, teve que fugir às escondidas antes que o matassem com as experiências que os médicos fascistas faziam com os doentes como ele: choques elétricos, remédios novos que surgiam, lobotomia, castigos, etc. Eu fui testemunha disso nos anos 70, mas só mais tarde pude entender que aqueles “tratamentos” eram a forma que a ditadura usava para calar seus opositores!
Tive de ajudar esse meu irmão em diversos momentos difíceis de sua vida, pois os remédios "tarja preta" que fora obrigado a tomar o deixavam muito doido, com reações violentas e imprevisíveis! Meu outro irmão que passou por situações parecidas, foi preso e torturado pelos órgãos de repressão paramilitares da ditadura e, devido a sequelas, faleceu aos 42 anos de idade. Um grande artista músico que o regime militar enterrou.
E hoje me perguntam, até os filhos desses meus irmãos, por que sou tão revoltado com aquele regime que o Sílvio Santos glorificava em seus programas dominicais, na Globo e depois no SBT. Tento explicar, mas eles simplesmente não aceitam, não compreendem, acham que eu estou inventando o que os pais deles passaram.
Pior do que a tortura, é a negação da verdade histórica que bolsonaristas fazem o tempo todo; e que inúmeros canais da extrema direita, como “O Brasil paralelo”, tentam fazer com ares de intelectualidade e saber histórico. Eles deturpam a História do Brasil e mancham a biografia de grandes lutadores, balançando a bandeira nacional se dizendo patriotas, enquanto espalham o ódio, o deboche e a mentira – “fake News” sobre os que de fato querem um Brasil melhor e para todos/as.
Voltando às escolas “cívico-militares”, afirmo com toda convicção que quem confunde disciplina intelectual com disciplina militar NÃO entende nada de educação! O militarismo é a desgraça da humanidade e o capitalismo é sua ferida! Quem defende escolas cívico-militares na rede pública está totalmente equivocado, eles estão vendendo uma ilusão e uma mentira. A formação de militares deve ficar no seu devido lugar e controlada pelo poder civil. Precisamos de mais Atenas e menos Esparta, por favor!!!
#Nãoàsescolascívico-militares!
#Nãoàsescolas-quartel!
São Paulo, 21 de agosto de 20224.
Prof. Chico Gretter - mestre em Filosofia e História da Educação, músico-compositor, presidente da APROFFESP.
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