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FILÓSOFOS QUE DEFENDIAM A ESCRAVIDÃO


Por: ALDO SANTOS*



O que justificou e ainda justifica a escravidão?

A partir da leitura do livro do historiador, Laurentino Gomes, podemos elucidar vários recortes devido à profundidade e abrangência de sua pesquisa.

No capitulo 3, na página 63 do livro Escravidão, o mesmo tem como título “As Origens”. Este capítulo discorre sobre a abrangência histórica da escravidão, fazendo várias citações de caráter ideológico, teológico e filosófico, além da definição etimológica do termo escravidão. A dimensão do enunciado no título está na referência ao filosofo Grego Aristóteles, na seguinte afirmação: “A humanidade se divide em duas: os senhores e os escravos; aqueles que têm o direito de mando, e os que nasceram para obedecer”. (página 63) Para justificar que a escravidão é bem mais ampla do que podemos observar nos dias atuais, o autor recorre à definição etimológica do termo: ”Escravo, em português; esclave, em francês; schiavo, em italiano; sklave, em alemão; ou slave, em inglês, são todas palavras derivadas do latim slavus, que por sua vez, servia para designar os eslavos, nome genérico dos habitantes da região dos Balcãns, Leste Europeu, sul da Rússia e margem do Mar Negro, grande fornecedora de mão de obra cativa para o Oriente Médio e o Mediterrâneo até o inicio do século XVIII.”(página 66) Para o professor da Universidade de Harvard, Orlando Patterson, citado inúmeras vezes no referido livro: “A Escravidão existiu desde o início da história da humanidade até o século XX, nas sociedades mais primitivas e também nas mais avançadas”.(página 65) Além da caracterização universal da existência da escravidão, para os estudiosos, a cor da pele se torna sinônimo de cativeiro a partir do tráfico negreiro no Atlântico. Além de ser propriedade do senhor e por vezes era oferecido como sacrifício em rituais e funerais, Patterson define numa lista “a maneira pela qual escravos sempre foram produzidos ao longo da história: 1-Captura na guerra. 2-Sequestro. 3- Pagamento de taxas ou tributos. 4- Quitação de dívidas. 5-Punição por crimes. 6-Abandono ou venda de crianças. 7-Autoescravidão (caso da peonagem africana, que se verá nos próximos capítulos). 8 - Nascimento em uma família cativa ( a escravidão hereditária). Patterson também definiu a escravidão como uma morte social, na qual o cativo é arrancado do seu lugar de moradia, de sua língua, suas crenças, seus laços familiares e seus ancestrais, sua comunidade e seus costumes, uma espécie de desenraizamento, ou excomunhão da família e da sociedade originais”. (páginas 68/69) Este conjunto de crueldades praticadas nas sociedades antiga e até nos dias atuais, tem como base de sustentação o embasamento jurídico, ideológico, religioso e filosófico. Desde o código de Hamurabi, escrito por volta de 1772 a.C, considerado o primeiro código de normas e leis da história, ele “ dividia a sociedade em três grupos – o dos homens livres e proprietários de terra, o dos funcionários públicos e o dos escravos, que podiam ser comprados e vendidos pelos dois primeiros”. (página 70) No tratado sobre política, Aristóteles afirma: ”haveria pouca diferença entre o uso de animais domésticos e a exploração do trabalho escravo, uma vez que ambos nos emprestam os seus esforços físicos para satisfazer nossas necessidades”. (página 71) No berço da filosofia grega, em Atenas, dos 155 mil habitantes, 70 mil eram cativos, e comparativamente ao Império Romano, eram números modestos, uma vez que Julio Cesar, em suas campanhas entre 58/51 a.C, teria conduzidos cerca de 1 milhão de escravos. O livro relata uma série de castigos aterrorizantes sobre o comportamento do escravo em relação aos costumes e respeito ao seu dono, pagando cruelmente com a própria vida qualquer ato de descumprimento avaliado pelo seu proprietário, como aconteceu com o assassinato do prefeito de Roma, Pedanios Secundus, em 61 d.C, onde 400 escravos barbaramente crucificados. O provérbio romano de que todos os escravos são nossos inimigos ficou cristalizado quando o grande gladiador, Spartacus, liderou uma grande e histórica revolta de escravos contra o império Romano, reunindo mais de 70 mil cativos que lutaram bravamente pelas suas liberdades, sendo dizimados impiedosamente pelas legiões romanas. Como demonstração de escárnio, cerca de 6 mil que escaparam com vida foram crucificados na beira da estrada entre Roma e Cápua, numa extensão de 190 quilômetros (aproximadamente a distância entre Rio e São Paulo). Aliás, esta história está muito bem explicada no filme Spartacus. Vale a pena assistir. Para justificar a escravidão na América, os senhores de escravos e intelectuais a serviço do sistema aprimoram a escravidão negra a partir da seguinte narrativa: “é o nascimento de uma ideologia racista, que passou a associar a cor da pele à condição de escravo. Segundo esse sistema de ideias, usado como justificativa para o comércio e a exploração do trabalho cativo africano, o negro seria naturalmente selvagem, bárbaro, preguiçoso, idólatra, de inteligência curta, canibal, promíscuo, só podendo ascender à plena humanidade pelo aprendizado na servidão”. (página 73) Essa ideologia ainda persiste entre nós, a partir de elaborações de cunho teológico e filosófico. Por toda escravidão e ainda nos dias atuais, representantes do cristianismo, hoje com várias denominações religiosas, ainda utilizam da maldição de Cam para defender e justificar a escravidão negra em todo mundo, particularmente na América: “segundo o capítulo nove do livro de Gênesis, depois do diluvio, Noé se tornou agricultor e começou a produzir vinho. Certo dia embriagou-se e dormiu sem roupa dentro da tenda em que morava. Cam, seu filho mais novo, viu a nudez do pai e, em vez de cobri-lo com o manto, correu para contar aos dois irmãos a respeito da situação vexatória em que o pai se encontrava. Ao acordar e ouvir a história, Noé lançou uma maldição contra descendência de Cam, citando especificamente seu neto Canaã: Maldito seja Canaã. Que se torne o último dos escravos de seus irmãos. Segundo a tradição, os descendentes de Canaã teriam ido para a África, onde se tornariam escravos até os fins dos tempos”. (página 74) Comumente, nos dias atuais ouvimos “pastores” ainda pregando livremente e justificando a escravidão usando a mesma narrativa contida no livro de Gênesis, sem a menor preocupação, releitura ou ressentimento da tragédia da escravidão. Partindo do pressuposto descrito pelo autor que a escravidão faz parte da história da humanidade, o mesmo passa a nominar os autores que corroboram com tal atrocidade: “o filósofo grego Aristóteles era senhor de escravos. Thomas Jefferson, autor da Declaração de Independência dos Estados Unidos, segundo a qual todos os seres humanos nasceriam livres e com direitos iguais, também. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes herói da Inconfidência Mineira, foi dono de pelo menos seis cativos. O reverendo John Newton, autor de um dos mais belos hinos evangélicos (maravilhosa graça), foi capitão de navio negreiro. John Locke, pensador humanista responsável pelo conceito de liberdade na história moderna, era acionista da Royal African Company, criada com o único propósito de traficar escravos”(página 64). São inúmeras as narrativas que o autor e sua vasta bibliografia apresentam aos leitores desta importante e discutível obra. Na filosofia, a partir de Aristóteles, incluindo os iluministas, defendeu-se a ideia de que o negro é naturalmente inferior ao branco: “David Hume, um dos mais respeitáveis filósofos britânicos do século XVIII, escreveu em 1748: Eu suspeito que os negros, como em geral todas as outras espécies de seres humanos, sejam naturalmente inferiores aos brancos. Nunca houve entre eles nação alguma tão civilizada quanto entre os brancos. Nenhum grande inventor entre eles, nenhuma arte, nenhuma ciência [...]. Uma diferença tão constante e uniforme não poderia se repetir em tantos lugares e épocas tão distintas se a natureza não tivesse também uma distinção original entre essas espécies de seres humanos”. (página 75) Voltaire, um dos principais ideólogos da revolução francesa, descreve em 1756 os negros com as seguintes características: “Os olhos redondos, o nariz achatado, os lábios sempre grossos, o formato diferente das orelhas, o cabelo encrespado na cabeça, e mesmo a sua capacidade mental estabelecem uma prodigiosa diferença entre eles e as outras espécies de seres humanos”. (página 75) O filósofo Immanuel Kant, respeitado por grande parte da intelectualidade mundial vai afirmar em 1764: “Os negros africanos não receberam da natureza qualquer inteligência que os coloque acima da tolice. Portanto, a diferença entre as duas raças (negra e branca) é muito substancial. A distância no que diz respeito às faculdades mentais parece ser tão grande quanto a da cor (da pele)”. (página 75) Partindo da tentativa de desmoralização do continente africano, o também alemão, Georg W. Friedrich Hegel, um notável racista e filosofo, afirmou: “a África não merecia atenção dos povos ocidentais por ser um continente, na sua visão, sem qualquer contribuição significativa à história do mundo”. (páginas 75 e 76) O autor finaliza este capítulo esclarecendo que: “Na tradição judaico-cristã, a cor branca estaria sempre associada a inocência, à pureza e a santidade, enquanto a cor escura (tecnicamente, a ausência de cor) era sinônimo de pecado, perversão e morte. Os textos bíblicos se referem repetidas vezes a uma permanente luta entre os ‘filhos da luz e os filhos da escuridão’. Nas obras de arte medievais, demônios de pele negra e traços fisionômicos semelhantes aos dos africanos emergem das sombras para molestar os seres humanos, enquanto os santos são invariavelmente representados com a pele clara dos europeus”.(página 76) Como podemos observar, o conjunto dos interesses que nortearam a existência da escravidão diz muito sobre a condição humana dos nossos antepassados, e do atual estágio de “humanos” que somos. Ao descrever a escravidão como um processo histórico o autor mesmo sem fazer qualquer citação, corrobora com a teoria de Karl Marx sobre a permanente guerra entre as classes ao longo do processo histórico. No embate teórico de Marx na 11 tese contra Ludwig Feuerbach ele vai estabelecer o recorte de classe ao afirmar que: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.( https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm) Marx faz um corte epistemológico, dizendo que os filósofos burgueses expressam das mais variadas formas a justificativa da opressão de classe, independentemente dos mais variados momentos históricos. Não podemos nos pautar pelos filósofos burgueses, que defendiam - e muitos de seus seguidores ainda defendem - a manutenção da forma de pensar e ler e naturalizar o mundo opressor em que vivemos. No manifesto comunista, tem-se postulado por comunismo: “(...) o resultado final da força da história, o sistema que substituiria o capitalismo”. A frase de abertura deste panfleto demonstra o impacto deste manifesto: “A história de toda sociedade até os nossos dias é a história da luta de classes” (MARX, ENGELS, 2009, página. 23). O objetivo era conscientizar os trabalhadores das suas condições sociais, históricas; conscientiza-los de que o que os impediam de ter uma vida digna e boa eram as relações de trabalho às quais estavam submetidos e que isto poderia ser rompido quando eles abandonassem a ideologia da qual eram prisioneiros, a ideologia burguesa dominante, traçando uma linha evolutiva, que demonstra que a burguesia já cumpriu seu papel: “(...) a burguesia não forjou apenas as armas que lhe darão a morte; também engendrou os homens que empunharão essas armas: os operários modernos, os proletários” (MARX, ENGELS, 2009, página 34). “A força deste documento é imensurável. Claramente, com o olhar do presente, encontramos limites nas suas propostas, mas nada que diminua sua importância.” (https://www.infoescola.com/sociologia/manifesto-comunista/) Em suma, Marx afirma que toda história da humanidade nada mais foi do que a história das lutas entre interesses antagônicos, sempre reconhecendo que o protagonismo histórico pertence a classe que trabalha e produz a riqueza: a classe trabalhadora. O que estamos esperando para organizar nossa filosofia, nossas utopias, sedimentando nossa classe enquanto partido internacional dos que trabalham, produzem e partilham a riqueza para a felicidade comum da humanidade? Aldo Santos - Ex-vereador em sbcampo, militante sindical, diretor da Aproffesp/Aproffib e filiado ao Psol

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