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A Diáspora Nordestina

Atualizado: 28 de dez. de 2021






Por: Aldo Santos ***


A definição etimológica da palavra diáspora está relacionada à dispersão, espalhamento, separação, afastamento, dentre outras e distintas definições.


Neste sentido, a tradicional diáspora dos judeus, diáspora africana e a nordestina têm relações, mesmo dentro ou fora da territorialidade de cada seguimento.


A partir da fome, da seca, da miséria e do abandono intencional ou não do poder central, as pessoas são forçadas ao deslocamento, extraterritorialidade ou intra-territorialmente.


No trabalho abaixo, o autor destaca o valor cultural e até musical que envolve esta histórica agressão que está impregnada neste tipo de dispersão dos povos pelo mundo.


“É neste sentido que se torna possível a analogia entre os conceitos de Diáspora Africana e a noção de Diáspora Nordestina, sugerido nesta pesquisa.


Embora a primeira, conforme demonstrado por Stuart Hall, ocorra entre territórios nacionais (Nações) distintos; e a segunda, trate-se da migração, um processo que ocorre em âmbito nacional (entre estados da federação Brasileira), é possível vermos semelhanças, ainda que respeitando sua complexidade. Podem-se visualizar as inegáveis similitudes entre as ações dos diversos povos no espaço geográfico.


Portanto, se faz necessário essa análise para a compreensão desses processos, e, logo, a articulação com o conceito de território para atingir um maior entendimento desses fenômenos.” Pagina 22( https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/47065/47065.PDF)



Segundo entrevista do professor Aldo Santos, pela jornalista Ana Valim, publicada na Revista Acumaé? Força Nordestina, ela vai destacar inúmeras vertentes deste tema que está muito presente no nosso cotidiano.


“Autor de diversas obras, o professor Aldo Josias dos Santos, cearense de Brejo Santo, no Cariri, lança neste mês de novembro mais uma publicação: “Rumo à Estação Catanduva”. Uma história escrita com a sua vida, que conta a trágica experiência de um adolescente, acometido pela tuberculose, após ter sido envenenado por um produto agrotóxico perigoso, na lida da terra.


Sua trajetória se confunde com a de milhares de nordestinos e nordestinas que deixaram sua terra natal, sobretudo no período do grande êxodo rural, nas décadas de 1960 e 80, buscando a sobrevivência em outras regiões do país, de modo intenso no Sudeste e mais precisamente no estado de São Paulo.

Filho de Josias Raimundo dos Santos e de Maria Bevenuta de Jesus, ainda bebê, migrou com os pais para o interior de São Paulo. Na década de 1970, mudou-se para São Bernardo do Campo/SP, onde reside até hoje. É pai de três filhos e uma filha e avô de três netas. Graduado em Filosofia e Estudos Sociais, Bacharel em Teologia, tem especialização em Filosofia da Educação e Sociologia do Mundo do Trabalho, é mestre em História e Cultura e recentemente concluiu o curso de Psicanálise.


Aldo Santos, como é conhecido, foi vereador em São Bernardo por quatro mandados, de 1989 a 2004. Hoje, aposentado, faz parte da diretoria da APEOESP – Sindicato dos Professores da Rede Pública do Estado de São Paulo e da Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Estado de São Paulo - APROFFESP.


“Não é correto falar que os nordestinos vieram para São Paulo. Nós fomos expulsos pela fome e pela miséria, porque se estivesse bem lá, a família não deixaria seu lugar social, sua terra de origem, sua cultura, para vir para um lugar estranho. Meu pai, minha mãe e mais quatro irmãos viajaram por 18 dias, em um sofrimento desumano, lançados à própria sorte. E por que meu pai fazia isso? Para fugir da seca, porque se ficassem lá, grande parte das pessoas morreria. Não era uma opção, era uma imposição de sobrevivência. E essas coisas marcam muito a gente.”


Segundo Aldo, “Essa expulsão do povo pobre, faminto, desesperado com a seca é uma marca profunda inclusive na psique humana, que até hoje eu sinto. Eu sou da primeira leva do `pau de arara`. Eu vim com quatro meses, amontoado com minha família em um caminhão, por estradas péssimas, só com uma lona jogada por cima.”


Como afirma, essa história é muito doída e muito triste e tem seus responsáveis políticos que, lá e aqui, usavam e usam a mão de obra barata, muitas vezes em condições de semiescravidão ou até de escravidão. “Essas pessoas, expulsas do seu lugar, foram lançadas em uma realidade nova, sem qualquer assistência ou informação e nenhuma perspectiva de acolhimento”.


Chegando em São Paulo, os pais semianalfabetos, não tinham opção de trabalho. “O gato nos levava para trabalhar em uma fazenda, na forma e nas condições que o fazendeiro impunha, era tudo muito difícil, muita exploração. Foram dias de sofrimento e até hoje quando escuto as nossas músicas do Nordeste é como se uma navalha me cortasse por dentro. Só de saber pelo que passaram nossos pais e avós. Acho que a música do Luiz Gonzaga, `Triste Partida` deveria ser o hino dos nordestinos, do povo que foi expulso de seu lugar de origem, esperando uma vida melhor, mas sem alternativa, como diz a música, ter que `ser escravo no Norte ou no Sul’.


Foi no trabalho na terra que Aldo Santos, ainda adolescente, quase morreu ao ser envenenado quando pulverizava uma plantação de algodão com um produto químico agrícola proibido em outros países, mas liberado no Brasil. O que lhe roubou anos da vida e o condenou a amargar uma verdadeira via crucis, de hospital em hospital, o que conta em seu novo livro, Rumo a Estação Catanduva.”


Para Aldo Santos, " o preconceito é sempre um fator depreciativo sobre o lugar de origem, exatamente para justificar tanto a miséria, o sofrimento, o baixo salário e a semiescravidão do nordestino, como também para justificar a falta de investimento no próprio Nordeste. ”


Conforme mencionado, a poesia de Patativa do Assaré, musicalizada por Luiz Gonzaga é a expressão deste lamento e do sofrimento do povo nordestino, desnucleado forçadamente por conta da situação de miséria, seca e fome a que foi condenado este importante espaço territorial brasileiro. Com pequenas alterações da poesia de Patativa, a letra cantada pelo Gonzagão preserva o eixo central da poesia original.


Triste partida


"Setembro passou

Outubro e novembro

Já tamo em dezembro

Meu Deus, que é de nós

(Meu Deus, meu Deus)


Assim fala o pobre

Do seco nordeste

Com medo da peste

Da fome feroz

(Ai, ai, ai, ai)


A treze do mês

Ele fez experiência

Perdeu sua crença

Nas pedra de sal

(Meu Deus, meu Deus)

Mas noutra esperança

Com gosto se agarra

Pensando na barra

Do alegre Natal

(Ai, ai, ai, ai)


Rompeu-se o Natal

Porém barra não veio

O Sol bem vermeio

Nasceu muito além

(Meu Deus, meu Deus)

Na copa da mata

Buzina a cigarra

Ninguém vê a barra

Pois barra não tem

(Ai, ai, ai, ai)


Sem chuva na terra

Descamba janeiro

Depois fevereiro

E o mesmo verão

(Meu Deus, meu Deus)

Entonce o nortista

Pensando consigo

Diz "isso é castigo"

Não chove mais não

(Ai, ai, ai, ai)


Apela pra março

Que é o mês preferido

Do santo querido

Senhor São José

(Meu Deus, meu Deus)

Mas nada de chuva

'Tá tudo sem jeito

Lhe foge do peito

O resto da fé

(Ai, ai, ai, ai)


Agora pensando

Ele segue outra trilha

Chamando a família

Começa a dizer

(Meu Deus, meu Deus)

Eu vendo meu burro

Meu jegue e o cavalo

Nós vamo a São Paulo

Viver ou morrer

(Ai, ai, ai, ai)


Nós vamo a São Paulo

Que a coisa tá feia

Por terras alheias

Nós vamo vagar

(Meu Deus, meu Deus)

Se o nosso destino

Não for tão mesquinho

Daí pro mesmo cantinho

Nós torna a voltar

(Ai, ai, ai, ai)


E vende seu burro

Jumento e o cavalo

Inté mesmo o galo

Venderam também

(Meu Deus, meu Deus)

Pois logo aparece

Feliz fazendeiro

Por pouco dinheiro

Lhe compra o que tem

(Ai, ai, ai, ai)


Em um caminhão

Ele joga a famía

Chegou o triste dia

Já vai viajar

(Meu Deus, meu Deus)

A seca terrive

Que tudo devora

Ai, lhe bota pra fora

Da terra Natal

(Ai, ai, ai, ai)


O carro já corre

No topo da serra

Olhando pra terra

Seu berço, seu lar

(Meu Deus, meu Deus)

Aquele nortista

Partido de pena

De longe da cena

Adeus meu lugar

(Ai, ai, ai, ai)


No dia seguinte

Já tudo enfadado

E o carro embalado

Veloz a correr

(Meu Deus, meu Deus)

Tão triste coitado

Falando saudoso

Um seu filho choroso

Exclama a dizer

(Ai, ai, ai, ai)


De pena e saudade

Papai sei que morro

Meu pobre cachorro

Quem dá de comer?

(Meu Deus, meu Deus)

Já outro pergunta

Mãezinha, e meu gato?

Com fome, sem trato

Mimi vai morrer

(Ai, ai, ai, ai)


E a linda pequena

Tremendo de medo

Mamãe, meus brinquedo

Meu pé de fulô?

(Meu Deus, meu Deus)

Meu pé de roseira

Coitado ele seca

E minha boneca

Também lá ficou

(Ai, ai, ai, ai)


E assim vão deixando

Com choro e gemido

Do berço querido

Céu lindo e azul

(Meu Deus, meu Deus)

O pai pesaroso

Nos fio pensando

E o carro rodando

Na estrada do sul

(Ai, ai, ai, ai)


Chegaram em São Paulo

Sem cobre quebrado

E o pobre acanhado

Percura um patrão

(Meu Deus, meu Deus)

Só vê cara estranha

De estranha gente

Tudo é diferente

Do caro torrão

(Ai, ai, ai, ai)


Trabaia dois ano

Três ano e mais ano

E sempre nos prano

De um dia vorta

(Meu Deus, meu Deus)

Mas nunca ele pode

Só vive devendo

E assim vai sofrendo

É sofrer sem parar

(Ai, ai, ai, ai)


Se arguma notícia

Das banda do norte

Tem ele por sorte

O gosto de ouvir

(Meu Deus, meu Deus)

Lhe bate no peito

Saudade de móio

E as água nos zóio

Começa a cair

(Ai, ai, ai, ai)


Do mundo afastado

Ali vive preso

Sofrendo desprezo

Devendo ao patrão

(Meu Deus, meu Deus)

O tempo rolando

Vai dia e vem dia

E aquela famía

Não volta mais não

(Ai, ai, ai, ai)


Distante da terra

Tão seca, mas boa

Exposto à garoa

A lama e o baú

(Meu Deus, meu Deus)

Faz pena o nortista

Tão forte, tão bravo

Viver como escravo

No norte e no sul

(Ai, ai, ai, ai)


Letra: Patativa do Assaré.



Do ponto de vista cultural e musical, este aspecto emocional destas diásporas batem fundo em nossa memória, nossa revolta, despertando uma espécie de ódio de classe eternizado nas mais variadas gerações.


Citei a música triste partida como o Hino dos nordestinos, mas outras músicas dialogam também com nosso imaginário diaspórico.

A dispersão é forçada, e, mesmo o nordestino afirmando que “só deixo meu cariri no último Pau de arara”. Ele acaba sendo obrigado a romper com sua realidade e forçado a ruptura de certa forma, existencial.



“A vida aqui só é ruim

Quando não chove no chão

Mas se chover dá de tudo

Fartura tem de montão

Tomara que chova logo

Tomara, meu Deus, tomara

Só deixo o meu Cariri

No último pau-de-arara

Só deixo o meu Cariri

No último pau-de-arara


Enquanto a minha vaquinha

Tiver o couro e o osso

E puder com o chocoalho

Pendurado no pescoço

Vou ficando por aqui

Que Deus do céu me ajude

Quem sai da terra natal

Em outro canto não pára

Só deixo o meu Cariri

No último pau-de-arara

Só deixo o meu Cariri

No último pau-de-arara


Enquanto a minha vaquinha

Tiver o couro e o osso

E puder com o chocoalho

Pendurado no pescoço

Vou ficando por aqui


Compositores: Jose Guimaraes - Corumbá -Venâncio.

Outro diálogo profundo vamos encontrar na música igualmente cantada por Luiz Gonzaga:

Uma mistura de fé popular, culto à natureza e à crença no poder sobrenatural, seus pedidos são atendidos ou não, e , no limite, ainda culpam “o pobre coitado que de joelho rezou um bocado”, mas inconformado ainda diz e assume sua possível culpa: “Meu Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe”. E ainda arremata: “Eu acho que a culpa foi

desse pobre que nem sabe fazer oração”.

Mas, inconformado e estonteado diante da tragédia social, finaliza: ” Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno

Desculpe eu pedir para acabar com o inferno

Que sempre queimou o meu Ceará”.


Analise a letra:

Veja o conjunto do diálogo musical:

"Oh Deus, perdoe este pobre coitado

Que de joelhos rezou um bocado

Pedindo pra chuva cair sem parar

Oh Deus, será que o senhor se zangou

E só por isso o sol se arretirou

Fazendo cair toda chuva que há

Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho

Pedir pra chover, mas chover de mansinho

Pra ver se nascia uma planta no chão

Meu Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe

Eu acho que a culpa foi

Desse pobre que nem sabe fazer oração

Meu Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água

E ter-lhe pedido cheinho de mágoa

Pro sol inclemente se arretirar

Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno

Desculpe eu pedir para acabar com o inferno

Que sempre queimou o meu Ceará


Compositores: Gordurinha / Nelinho


Somos errantes em busca da nossa origem, da terra nascente, do nosso lugar social e do nosso berço que emerge do chão, conforme destaca a música de Gilberto Gil /José Domingos, o Dominguinhos.


“Por ser de lá

Do sertão, lá do cerrado

Lá do interior do mato

Da caatinga do roçado.

Eu quase não saio

Eu quase não tenho amigos

Eu quase que não consigo

Ficar na cidade sem viver contrariado”.


Letra de Lamento sertanejo.

Compositores: Gilberto Gil / Jose Domingos (Dominguinhos)


Finalmente, confesso que a “A dor da gente é dor de menino acanhado

Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar

Que salta aos olhos igual a um gemido calado

A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar

A dor da gente é dor de menino acanhado

Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar...

Moinho de homens que nem girimuns amassados

Mansos meninos domados, massa de medos iguais

Amassando a massa a mão que amassa a comida

Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais.


Compositores: Antonio Jorge Portugal / Raimundo Sodre


Neste contexto, um veículo de comunicação para tratar das demandas nordestinas é de fundamental importância para dar voz aos silenciados historicamente, vítimas de uma diáspora que perecem em terras distantes, porém o coração pulsa fortemente a partir de sua origem, sua vida ou não vida, sua cultura, seus valores e costumes. Muitas vezes, sua identidade se realiza na celebração do retorno de onde nunca deveria ter saído ou expulso.


Aldo Santos – Ex-vereador em São Bernardo do Campo, Sindicalista e militante o Psol.



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